Antes de despertar

Acordei apressado, peguei papel e caneta

E desesperadamente tentei anotar todas as sequencias

Que ainda conseguia registrar.

Um a um, desapareciam

Apagados pelo mesmo atrito dos pulsos que escreviam

Aflitos;

Dos mesmo dedos que contornavam

Infrutíferos

Os caminhos que não conseguia mais lembrar.

Na continuação do dia

Em plena avenida

Encontrava os mesmos esboços que anotei horas antes

Alguns flagrantes que por pouco não eram reflexos perfeitos

Dos sonhos tortuosos da noite passada.

Faces que brotavam pelas dobras das esquinas

E se afugentavam pelas mesmas ruas sombrias

Que tentei desenhar.

Na noite seguinte alguns elementos se repetiram

E já acordado, consegui anotar um pouco mais

Racionalizar um pouco mais

Mas, mesmo assim, não o suficiente.

Fui diretamente ao ponto do último encontro

Entre o meu eu sóbrio, desperto

E as figuras que marcam presença no físico,

E no metafísico

No certo

E no figurado.

E para minha surpresa, o mesmo acontecimento:

Uma face observante, que se tornou errante

Quando tentei me aproximar.

Porém, agora iluminada, não tive medo da rua esquiva

Que da última vez não me atrevi a entrar.

E a cada passo, era evidente

Que toda aquela gente

Não me queria lá.

Olhando para alto para assimilar quantos me vigiavam,

Lembrei-me que em meus sonhos, todas as placas apontavam

Para a mesma direção.

E seguindo-as, encontrei outro objeto do subconsciente

Uma fotografia de todos os meus parentes

Cujos olhares também pareciam me rejeitar.

Na noite seguinte, um pouco aflito com os mistérios

Agradeci por não sonhar com nada sério,

Apenas lembranças casuais de quando era criança.

As festas, as danças

Os sorrisos

As perguntas incessantes, a curiosidade galopante

Uma cachoeira de águas quentes

Cujo curso me levava às memórias esquecidas

Momentos inexplicáveis da minha vida

E outros que não sabia distinguir se eram de verdade.

Passei por pântanos,

Subi por montanhas

Me afoguei em oceanos,

Passei por ruas tacanhas,

E em todas elas, a mesma dúvida que acompanha:

Quais coisas mais estão à frente,

E o porque eu não me recordo de todas elas?

Acordei apressadamente, esqueci do papel e caneta

Corri para o lugar de costume, entrei na rua

Ignorei os olhares, as placas, os familiares

Segui para o único lugar que faria sentido

Uma porta vermelha, enorme, com meu nome grafado

Por uma letra que não era minha,

Ilustrada por fotos de quem já morreu

Uma coletânea extensa de esquecidos

Alguns, de nomes que não consigo me lembrar

Outros mais desafortunados, cuja fotografia

Não conseguia mais demonstrar com nitidez

Quem deveria representar.

E ao entrar pela porta

Ignorando todos que clamavam em uníssono para que não o fizesse

Caí num oceano, onde me afoguei mais uma vez;

Andei por ruas tacanhas pela segunda vez;

E com a dúvida de outrora, novamente presente

Agora são três as coincidências

E o mesmo questionamento:

''O que há pela frente

E porque não me lembro? ''

Fotos, memórias, risadas

Sentimentos, pensamentos, bestas enjauladas

Correntes, espelhos, reflexos

Ações incoerentes e palavras sem nexo

Miragens de universos paralelos.

Cultos, devoção, presunções

Egoístas, egocêntricos, maldições;

Fantasmas, zumbis, espantalhos

Culpa, ruína, escárnio.

Goteiras, enchentes, lágrimas

Vazio, descaso, o completo nada.

Solidão, inaptidão, coerção,

Corrupção, amargura, decepção

Todos os defeitos

Na palma de minhas mãos.

E o caminho não parece ter fim

E eu pareço não acordar

E agora começo a sentir sono

E também, a me perguntar:

''Porque pareço querer dormir

Antes de me despertar?''

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 06/12/2023
Código do texto: T7948219
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