Primavera Cinzenta

O que penso eu?

Como sou eu?

O que penso, quando me vejo ali,

deitado por sobre o muro,

a me deixar levar por devaneios,

loucuras ou desejos,

paixões ou amores,

decepções ou derrotas,

amigos e traidores.

Sou anjo caído,

criança crescida,

esperança rompida,

devaneio distraído

de um maior amortecido

e confortado pela dor.

Não sei mentir,

não sei fingir,

não sei amar ou perdoar.

Não sou o que sou,

mas sou o que não sou.

Onde poderia estar, em momento tal,

lúcido ou embriagado,

largado e abandonado,

o cão sarnento da sociedade,

lacaio imundo da incapacidade?

Onde haveria de estar, senão noutro lugar?

Está na mente humana,

a revolta cotidiana,

a dor sem fim de um momento ruim.

Sou escravo poeta,

artista em descoberta.

fugitivo de depressões incertas,

de certas alucinações.

Sou escravo filósofo,

mas o que é a Filosofia,

senão uma fábrica de mentiras?

Vendemos o segredo da vida!

Você daria sua vida para descobrir?

Filosofia é dar murro em ponta de faca

apenas para se observar sangrar,

e da dor do sangue escrever.

Ou para outros contemplarem o sangrar,

e do seu sangue sempre se lembrar

quando tentarem de todo modo entender

o que estava escrito ao ler.

Não sei o que da vida faço,

ou o que dela restou.

Apenas sei que nada é fácil,

e tudo apenas começou.

Tempo.

Tempo é conceito,

nome sujo e barato.

É apenas ser em si mesmo,

presente totalmente ausente,

que se mostra ao se esconder,

que se esconde para nunca achar.

Tempo é palavra de azar,

de medida circular.

Só o que sabe fazer é

falar, pensar, medir.

Será que já pensaram

em um dia, apenas um dia

contemplar, observar e admirar?

O tempo passa,

voa, corre e sorri.

Vai-se embora, pois volta,

um outro dia, uma outra hora,

mas certamente volta.

O que não passa, sempre fica,

é apenas este aqui,

ser lamuriante e arrogante,

amante burro e ignorante.

Permanece apenas o viciado embriagado

em conhecimento barato,

em informação vendida,

pensamento passado,

idéia fracassada.

O que sinto, não sei explicar,

nem dizer, nem demonstrar.

Sou sentimento sujo,

mas belo e pomposo.

Sou de poder do orgulho,

sou de incapacidade de inveja,

sou de frustração de ira,

sou de decepção de luxúria,

sou de vítima da preguiça,

sou descuidado de gula,

sou desejoso de avareza.

Mas de todo o ruim

com certeza não sou feito.

Tenho coisas bonitas pra contar,

também já fui feliz, posso lembrar.

Sou sentimento puro,

mas medroso, inseguro.

Sou comovido de caridade,

sou fiel de esperança,

sou temeroso e corajoso de fé,

sou conforto de fortaleza,

sou mediador de justiça,

sou proclamador de prudência,

sou motivador de temperança.

Afinal, o que sou eu?

Anjo virtuoso ou demônio pavoroso?

Sigo o bem e o mal,

faço do certo e do errado,

fui tocado pela virtude e pelo pecado.

Não passo, no fim,

de um pobre injustiçado?

Ou seria, talvez, no final,

o grande e maior culpado?

Como calar, de uma vez por todas,

essa voz terrível e lamuriante,

que corrompe a minha alma

com dúvidas e incertezas,

falhas e fraquezas?

Como me afastar deste cálice amaldiçoado,

de licor de fel com gosto adocicado,

de sangue amargo e avermelhado,

de esperança morta e maltratada?

Talvez eu seja esta voz.

Talvez eu não seja nada.

Pode ser que eu acorde agora,

e seja apenas uma memória.

Quem sabe talvez um sonho?

Mas seu eu acordar,

e eu não for real,

jamais serei real.

Quem seria eu realmente?

O primeiro a acordar,

ou o último a despertar?

Posso ser apenas um pensamento,

ou uma demosntração de sentimento.

Posso ser tudo.

Posso não ser nada.

De certo, sendo nada,

e nada mais sendo,

acabaria sendo tudo.

E tudo por que?

Porque nada é tudo.

Portanto tudo é nada.

Afinal, não sei o que sou.

Posso ser tudo.

Posso não ser nada.

Eduardo Setzer Henrique
Enviado por Eduardo Setzer Henrique em 12/12/2006
Código do texto: T316172