O Papel e a Poesia
O mundo a dar voltas
E eu, que de tanto evitar,
Deparo-me ante a tua pálida face.
Estamos cá, nós dois,
Íngremes, reapresentados
Pelo teor desta alta madrugada.
A fuga incapaz
Delata as nossas necessidades.
Lanço teu corpo límpido sobre a cama.
E, vencido pela tara,
Entrego-me a altivez das minhas cismas,
Que logo serão nossas,
Embevecidas pelos cânticos singelos
Desta muda madrugada.
Do reencontro,
O parto febril desaloja o engasgo
Após o espólio do meu âmago
Unir-se as suas entranhas.
Ultrapassa a esfera do desejo,
Para nascer do necessário: filha minha, filha nossa.
Pois, nem sempre há como impedir...
E depois de nos valermos de tantos abortos
Por culpas exclusivas minhas,
Por fingir-me tantas vezes saciado,
Nós a concebemos
Distintas das outras que feneceram
E que há muito jazem no sepulcro dos meus esquecimentos.
Venha à vida e cuide em denunciar-me
Como um espelho.
Remeta as minhas notícias
Ao tribunal implacável de minhas memórias.
Nossa filha,
Fruto do nosso reencontro,
Aparta-te de mim:
Prematura, imperfeita e sem fim.