Letras Corridas

Respirei fundo, enchi os pulmões.

E soltei ao ar, como quem bafora a fumaça de um bom charuto:

“Amargo é o vinho da partida”.

Doce é a pinga da autopiedade

Que mata e vicia. Mata como mata tudo que vicia

E que faz bem a alma, mas não ao couro.

“Amargo é o fel do desamor”, me disse ela séria,

Pensativa e, como sempre, séria. Porém sóbria.

“De que serve ser sóbria e triste? Ter dentes e não sorrir?

Chegar, mas não sair?”

O silencio respondeu gritando o que não quer se ouvir

E ele, o silêncio, sabe que o grito rouco do som nulo

É o caminho mais breve... É um pedido pra dançar

Um ballet estático de uma ópera rascante e seca

Perdoe a indiscrição das minhas letras corridas

Sempre... Sempre apressadas e aflitas

Que nunca aceitam os convites das filas,

Nunca nas filas dos elevadores.

É que minhas letras, mesmo lentas, são eufóricas.

E na miudez das possibilidades práticas e reais,

Na mediocridade de seus destinos e razão de vida

Querem se notar... Verem-se ao espelho.

E eu deixo... Que me custa alimentar um pouco a soberba que me veste?

Que me custa banhá-las com este vinho quente

De temperatura ambiente desta capital falida e doente?

Bebam, letras indecentes! Bebam do vinho doce da ingratidão.

“Perdão, amiga. Perdão, se no meio desta discussão,

Deixei-te com teus pensamentos em solidão...

É que minhas mãos tremeram suadas à espera de uma nova canetada

Que alguns chamam inspiração”.