Réquiem Bucólico

Sozinho, solitariamente e feliz sozinho estou;

a sós comigo e com a natureza...

Os rios fluem espontaneamente assim como o sangue de meus dias,

pois estar só é estar em comunhão consigo mesmo;

estar só é poder mostrar nossas fraquezas sem medos ou arrependimentos;

estar só é um convívio diário para desenterrar quem nunca eu pude ser;

estar só é sentir a eucaristia do vento, das flores, do céu, e das folhas das árvores que caem esquecidas e suavemente ao chão

como os instantes e as horas de minha vida.

E eu sinto com os pés descalços na areia a transcendência

de que eu sou o pó de todas as poeiras,

E senta-se comigo as sombras atordoadas de todas as noites futuras,

e me consolam entre seus braços as vozes dos animais que dormem em paz sob os cuidados da vigília zelosa de meu coração bucólico.

Eu sou o rio instintivo das filosóficas transfigurações;

Eu sou o vento ígneo dos mistérios e das digressões;

Eu sou o sangue e a seiva das guerras e dos corações.

Lanço partes de minha alma para além das planícies da Tortura;

mergulho os fragmentos de meus olhos para o cume bíblico dos Precipícios;

rasgo pedaços de minha audição e os enterro no coração ensurdecedor do Silêncio;

Queimo partículas gigantescas de meu olfato, e o odor de minha existência sulfuriza as montanhas ancestrais onde Deus ocultou o cadáver de Moisés.

A faísca das pedras fecunda uma pusilânime fogueira_

onde estão as histórias mitológicas que alimentavam

o coração duro e seco do intelecto humano?

As corujas formam um círculo ao redor do meu corpo,

trovões rufam uma profecia que até os anjos fogem com medo;

Eu sou o rio instintivo das tradições cotidianas;

Eu sou o vento ígneo de todas maldades desumanas;

Eu sou o sangue e a seiva das ilusões que tanto tu amas.

A fogueira e o som da madeira se tornando em brasas e em cinzas,

assim como é a vida metropolitana dos cidadãos e assassinos,

assim como foi minha desumanização entre as mãos da sociedade,

assim como foi e ainda será...

O vento se cala. A fogueira de repente dorme.

As corujas voam para longe.

Os animais despertam mas todos me olham estupefatos...

Os olhos de fogo da Natureza despencam das nuvens

e examinam o meu rosto abstrato;

paralisado, petrificado pelo medo e pela descrença

eu sinto a presença de Deus

Até debaixo dos troncos infestados de fungos e vermes,

porém me inunda uma paz infernal e bipolar;

Fecho os olhos, e vejo o nascimento da Vida: são gritos, são sangue,

Corpos para todos os lados, e explosões.

Eu sou o rio instintivo dos sacrifícios humanos;

Eu sou o vento ígneo dos comportamentos insanos;

Eu sou o sangue e a seiva dos templos profanos.

Abro os olhos, solto a pistola que segurava contra a minha cabeça.

Emerjo de toda luz e embotamento

Em que meu corpo fora batizado na civilização;

sinto-me finalmente limpo e expurgado de mim mesmo,

encontrei-me nas névoas de meus pecados,

e um grito perfumado de alegrias e de terrores pula do cume da montanha, e derruba meu corpo contra as árvores siamesas.

Cinzas subconscientes sou, e cinzas sempre nós seremos

a se evolar na estrada do Nada.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 22/06/2013
Código do texto: T4353284
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