Insano Eclesiastes

Ainda há fatias de palavras entre os buracos de tijolos no muro pichado;

O despertador se convulsiona, creme dental e sabonetes no banheiro;

Os olhos acostumados ao mesmo espectro crucificado no espelho: teu rosto;

A velhice aguarda a todos,

A velhice habita todos os corpos e buracos.

O inverno nunca dorme em nossas almas;

Seja o melhor no seu trabalho, obedeça sem hesitar as ordens,

Apenas faça as coisas sem pensar, não existe essa coisa de pensar nesse mundo.

Os pais só geram filhos, não uma família;

Os pais constroem ninhos, nunca um lar.

Código de barra nas digitais, na íris, nos braços antes de entrar no céu,

ou no inferno, ou em qualquer hospital, bar, igreja, comércio, necrotério, etc.

Somos espiritualizados antes mesmos de nascermos,

Se é que nascemos para alguma coisa!!!

Sirene em cada estabelecimento: hora de se recolher, hora de descansar;

Feche então os olhos, não nos venha com essa história de seus próprios sonhos,

Corpos obesos por não devorarem a seiva de seus sonhos pesadelos,

A primavera não floresce nem mais lágrimas falsas em nosso olhar.

Não há mais capelas

Onde nossos joelhos possam encontrar uma súplica de descanso;

Não há mais constelações onde nosso olhar possa afagar uma brisa de luz;

Não há habitações e nem túmulos nem na vida e nem na morte

Em que nossas almas possam encontrar enfim um lar.

Carmas repudiados, o purgatório de ouvir e ver a presença ausente do outro;

Onde estão os lavradores ignorantes do inferno?

Não perca o ônibus das cinco horas da tarde,

Mas compre comida e traga leite pasteurizado para jantar:

“Obrigado Senhor Deus pela desgraça de existirmos todos os dias. Amém.”

A liberdade é uma navalha enferrujada que a vida nos fadou em nossas mãos.

Somos tudo o que nunca seremos;

Podemos tudo o que nunca alcançaremos;

Alcançaremos tudo o que é essencialmente trivial.

A orfandade de sentido e de razões em si em nosso existir esculpiu

Todos os altares, genocídios, crimes, cinemas, culturas, e mentiras.

A Vida é uma piada cadavérica que ri de tudo em sua própria cova.

Quando o universo cochilar, corte sem hesitar a garganta dele, e fuja daqui;

Mas lembre-se de que a loucura poda suas ervas e frutos

No jardim moribundo em teu ser sempre hospitalizado.

Ou você opta em pensar, ou você então programa

Dentro de si a inconsciência de se viver: as duas coisas são incompatíveis.

Acorde querido, as crianças, e nós, estamos atrasados para nossas jaulas sociais.

Não há mais capelas

Onde nossos joelhos possam encontrar uma súplica de descanso;

Não há mais constelações onde nosso olhar possa afagar uma brisa de luz;

Não há habitações e nem túmulos nem na vida e nem na morte

Em que nossas almas possam encontrar enfim um lar.

Nós trepamos durante duas horas, e depois fomos tomar banho;

Nós almoçamos, e seguimos trajetos diferentes para o mesmo dever sempre morto;

Nós vamos dormir, como se realmente o dia tivesse terminado,

Mas o dia nunca termina, a vida nunca termina de nos boicotar.

As horas puxam o nosso tapete, pois não levantar-se é um crime capital;

Contudo tanto faz render-se ou triunfar, o universo nunca se importa com nada,

Pois sempre há outros cafetões e prostitutas na margem da rua,

Portanto esconda muito bem sua fragilidade até de seus próprios segredos,

Revele ao mundo a fortaleza indestrutível de areia que tu aparentas ser,

Compre logo o teu corpo antes que tu sejas etiquetado meu camarada;

As folhas! Sim as folhas flutuam como anjos outonais antes de cair no chão.

Não importa a razão, a força, a época, a capacidade, a durabilidade:

Tudo e todos sempre acabam por cair, e por decair.

As ovelhas assassinaram o supremo pastor, e se atiraram ao mar_ estamos livres.

Papai me segurava quando percebia que as ondas da praia poderiam me derrubar;

Camarão e legumes no almoço de sábado,

Mas os psicopatas nos púlpitos continuam criando leis e criminosos;

Eu olho pela janela: ouço ecos de passos de fantasmas

Que vem e vão de seus empregos ou de outra coisa qualquer,

Tão cheios de si mesmos e alheios como um museu de cemitérios abandonados;

Não se esqueça de matar seus pais

Para longe de sua memória antes de sepultá-los legalmente,

E enterre seu sentimento de culpa no coração de quem finges amar;

Não há mais capelas

Onde nossos joelhos possam encontrar uma súplica de descanso;

Não há mais constelações onde nosso olhar possa afagar uma brisa de luz;

Não há habitações e nem túmulos nem na vida e nem na morte

Em que nossas almas possam encontrar enfim um lar.

O carteiro está vindo entregar-nos as novas antigas contas,

Afinal sempre estamos em débito com a sociedade, Com Deus, com a família,

E principalmente estamos endividados conosco mesmo nesse albergue interno e cheios de cadáveres o qual definimos como “minha alma”.

Você deve pagar pelo oxigênio que não respiras,

“Ali?” É só o funeral de seu João de Souza, fique frio!

Amanhã será a sua vez enquanto o planeta gira ao redor do sol,

E continuará girando, e girando, e girando como um rato numa gaiola.

A noite desaba, e a cidade acende suas lâmpadas, os faróis dos carros,

Os celulares, os notebooks, as diversões paliativas de costume,

Pois o cansaço sempre acende mais um cigarro em nossos lábios.

Meus amigos_ nós estamos destinados ao éden do desconhecimento eterno,

Somos sacos suntuosos de rasgos e de estercos amarrados com feridas.

Onde está à falange de anjos para ceifar tanto o joio como o trigo?

Onde está o fogo do apocalipse para apagar

Qualquer vestígio de algo vivo, ou anímico, ou divino, ou perfeito, ou vazio?

Afinal um copo com água em cima da mesa

Está além de ser um mero de copo com água em cima de uma mesa!?

Vão dormir agora; esse show insano não tem mais nenhuma graça.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 30/07/2013
Reeditado em 30/07/2013
Código do texto: T4411476
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