Os solos do coração

Das mentiras nas ruas ergueu-se uma gota arenosa de verdade;

Nos amigos e amizades amadas encontraram-se tumbas de fingimentos e inimizades;

no vasto jardim florido da Fé se ouviu os melodiosos cânticos da dúvida;

nos lares imperdoáveis e embutidos de nossa época nem restou mais cacos de súplicas.

Nos olhos cintilantes da Morte pulsou um relâmpago de Vida

Nas nuvens vazias de flores em minha alma;

Na fome de não amar saciei minha sede infinita;

Nos alaridos insanos da mente esculpiu-se um leito de silêncio,

Um leito em que os olhos conseguem de fato fechar as pálpebras;

Um leito em que o próprio corpo cansado está longínquo de si mesmo;

Um leito em que possamos deitar tudo o que fingimos ser e alcançar.

O vazio da alma transbordou as excessividades das ausências;

Quebrei o espelho, e pudemos enfim desovar no Hades nossos antigos rostos;

Toda Dor é uma fuga racionalizada do Prazer,

Todo Prazer é uma supressão paliativa da Dor e do Desprazer.

Nas pontes de minhas incompreensões eu vaguei e vaguei...

A Escuridão me serviu um copo com leite morno e um sol eclodiu em mim; ao cultivar diariamente minha liberdade senti na sola dos pés despidos o solo gangrenoso de minha obscura escravidão.

Sempre acordo toda manhã ainda desperto de algo que não consigo entender;

Meu coração é uma jangada que transporta as cinzas do amor para outras tavernas;

Um homem necessita mastigar todas as guerras adormecidas ou acordadas em si para que consiga digerir os cumes ardilosos de sua própria paz de espírito.

Os pecados do nosso pai e de minha descendência passada e futura

Batizaram-me no rio Jordão com redenção e com fogo;

Nos vales cheios de ossos onde me reconstruí, com tantas pessoas eu falhei, chorei e destruí;

Na ciência onde mergulhei só restava ostras podres de desconhecimentos;

[Havia estrelas e oásis no teu rosto meu amor,

Porém só ouço e apalpo as ondas poluídas de teu oceano evaporado,

Onde as crianças cospem pedras e blasfêmias nesta sombra

De poços secos e demoníacos que tu te tornaste.]

O berço de minha inocência jaz mudo na gaiola das responsabilidades e preocupações;

Meus pais choram o rascunho imprestável do filho desgarrado e bastardo o qual eles insistem em amar.

Amar por quê?

Amar pra quê?

Amar o quê?

Amar por dever, obrigação, por culpa, por hábito?

Por que não amar, se os frutos do amor ou amadurecem ou apodrecem, ou são inférteis...

Quanto mais eu encontro o cheiro arrebatador da presença de Deus pelos quatro cantos da casa, menos eu sinto qualquer ruído de que algo em mim existe;

Quanto mais eu despojo os fardos de meus ombros,

Mais minha alma se inunda com emoções confusas;

Quanto mais eu consumo soníferos nas manhãs noturnas,

Mais acordada minha alma permanece acesa;

Alguém pelo amor de Deus me explica o que diabos está acontecendo com a gente, com o mundo, com as pessoas, com as nossas vidas??????

Dos meus acertos nasceram fetos de erros;

A pátria de meu paraíso se oculta nos infernos que minha razão teme;

No medo inconfesso e jurássico de não entendermos quem somos

Há uma faísca indelével de coragem que empurra nossos corpos

Para os olhos incógnitos e canibais dos centros gravitacionais;

Nem que sejamos os cegos de nascença andando a afirmar

Que o caminho escolhido sempre é o verdadeiro e o único;

Nem que sejamos os clinicamente loucos de pedra da sociedade

Que afirmam sem titubear que são e fazem parte de algo superior;

Nem que estejamos tão saudáveis em vivermos enfermos

Num mundo abandonado no infinito pelo acaso;

Nem que sejamos os Messias de nossos destinos

Tentando salvar e redimir nossas vidas incuráveis e vãs;

A vela que tu seguras entre as mãos reza incansavelmente para ser apagada, pois os sinos da catedral da Dor proclamam ainda que há canaviais entorpecedores de alegrias, sadismos e serotoninas,

Enquanto os lábios do Céu beijaram as entranhas desse chão árido,

Informe, sanguinário e impenetrável que é o Coração Humano.

Dedico esse poema aos seguintes amigos e amigas: Shimada Coelho, Anna Baraldi, Josiane Freitas, Leidivan Alves e Reginaldo Silveira.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 31/08/2013
Reeditado em 31/08/2013
Código do texto: T4460079
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