Íntimos Blues, Poemas

Blues Brasil - Poemas de Silas Corrêa Leite

C O I S A S

As coisas existem antes de nós

Apenas as continuamos

Ou não

O poeta mesmo com sua irrazão

É elo de continuação

As coisas sobrevivem depois de nós

- Além da razão -

As poesias mesmo

São eternas como centeio, trigo, aveia

Grãos

As coisas existem dentro de nós

Antes mesmo da concepção

Poemas nada mais são

Que íntimos aleijados

Querendo ser purificados

Nos escombros da perpetuação

M U L H E R

Você não sabe o que é

Dormir no escuro

O rastejar do verme

No monturo

E a mulher grávida mentindo

Dizendo : - Eu juro !

Você não sabe o que é

Dormir no claro

O respirar do objeto

No íntimo faro

E a mulher tossindo verde

Dizendo : - É ácaro !

Você não sabe o que é

Dormir sentindo

O controlar do medo

De morrer dormindo

E a Mulher - Noite sorrindo

Dizendo : - Benvindo !

O A M O R

O amor é um parafuso

Que precisa preencher espaço

Ir além do buraco

E nele pregar a peça

O amor é um parafuso

Enferrujado, em desuso

E por mais que o meio meça

Falta sempre um cavaco

O amor é um parafuso

Pregado segura a arte

Ele vê de qualquer parte

O dogma, o sândalo; o obtuso

O amor é um parafuso

Cuja a fenda é o apertar-se

Por isso ao amar - ao dar-se

Esqueça o cobrar. Use-o.

O P O E T A E O M A R

O mar

Carece de rochedo

Para se arrebentar

Um Poeta não

Carece de enfrentação

O mar

Carece de naufrágio

Para se aprofundar

Um Poeta não

Carece de navegação

O mar

Carece de oriente

Para se encontrar

Um Poeta não

Carece de arrebentação

R E V E L A Ç Ã O

Todo homem contempla seu Deus quando cria

Depois volta-se para a noite vazia

De si mesmo, coitado

E chora constrangido e arrasado

Por não terem entendido

O que ele supunha ter revelado

Na sua mais estranha e íntima poesia

Banzos

Esses meus banzos tropicais sem nexo

Escritos com sangue, como espirituais

A volúpia dos olhos com chuvas neles

E a sensação de estar sendo roubado

Esses meus banzos esquisitos como eu

A técnica da linguagem disforme

Os estranhos sintomas que me visitam

E o medo da faca cega da ilusão

Esses meus banzos com seus curtumes

Os pertencimentos que se desfazem

A voz atrás do espelho, o circo

E a corda bamba da decomposição

Esses meus banzos como canteiros

A minha expectativa de cárcere

O som que soa antes de existir

E as carpideiras do meu ser sem Ser

LIVRO DE MÁGOAS

Livro de Mágoas.

Ainda vou escrever um.

Quase um diário.

Desabafos, contradições, teatro

E uma procura por mim

Nos porões de trastes velhos de mim

Livro de Mágoas.

Carteiros, anjos e carpideiras.

Mil sofreguidões.

Alma contraditória e doente

Torturada por um misticismo

Cercado de dragões e arquétipos íntimos.

Livro de Mágoas.

Exercício de solidão, prurido.

Inventários e partilhas.

Cárcere, genuflexório, inconsciente

O drama de não se sentir.

Cavalos selvagens mortos a machadadas.

ESTRELA VAGA (CORAÇÃO)

Se queres a Estrela Vaga

E tens um coração, traga

A tua cimitarra, a tua adaga

E o corte profundo da palavra

Origem

BOEMIA PELA PRÓPRIA NATUREZA

(Quase haikai)

O louva-a-Deus

Cheira

Cerveja Preta

CÁOS URBANO

Fechem as portas

Abram os olhos

Entreguem pra Deus

Os seus reclamos

Fechem os livros

Abram as mentes

Tudo está pronto

Para os estágios

Fechem as grades

Sigam as placas

Usem os domínios

Para os escapes

Fechem os filhos

Tranquem os butins

É chegada a hora

O diabo está solto

..........................

(Fechem os olhos

E atirem primeiro)

ÓTICA POSTUMA

(Poemeto quase haikai)

Ri-me

De mim

Quando vi-me

Verme

ANUNCIAÇÃO AURORAL

Para Jorge Luís Borges

Dentro da Avícola fechada

De madrugada

Um galo canta a morte anunciada

ANJONAUTAS

Os anjos, coitados

Quando tomam cervejas

Sentem-se apaixonados

(Os poetas não

São apaixonados de criação)

HORA DO ANGELUS

SEIS HORAS TROPICAIS

POUCAS NUVENS ESPARSAS

NO CUME DOS MANGUEIRAIS

AVE-MARIA CHEIA DE GARÇAS

TO BE

Ser poeta é a minha maneira

De chorar escondido

Nessa existência estrangeira

Que me tenho havido

HABEMUS FLAGRAMENTHUS

Ela é tão certinha

Mas tão certinha

Que até parece coisa

De Eva Daninha

ANOS 60

_________________________

Fugi do colégio interno

Fugi do quartel inferno

Fugi da ditadura de gravata, farda, toga e terno

E assim, poeta moderno

Me descobri

Ser Humano com pedigree

O AMOR SE INSTALA

Silenciosamente como um ácaro

O amor se instala

E logo faz-se pleno e raro

Como cicatriz de bala

E abre em sensoriais, o faro

De fragrâncias em gala

(E como, assim, não tocá-lo

Desde quando se instaura?)

O amor é assim, cavalgá-lo

É no olhar dizer a aura

Fazer o peito cantar de galo

Como loucura - que não sara

...............................................

Silenciosamente e assim tão caro

O amor pede para amá-lo

E a paixão torna centauro

O ser louco. Por ser fauno.

ACERVO LASTRO

Para Carlos Nejar

Teus seres de orquestração terreal

Viventes - com árvores nas mãos

Tua arquitetura de gracezas

Teus anjos barrocos - em moendas

de sulcros sacros

Vozes e gestos; sais - iluminuras

Cânticos & betumes - bíblicos

Tuas palavras - campos de centeios

Em orquídeas velhas, tamarindos

em quartzo-róseo

Descreveste as batalhas inglórias

(Personificações de calvários)

Amaste os seres como pó, íntimos

Em porcelanas de ritos em transes

(ninhais & textamentos)

Teu imaginário estúdio, liturgia

Graças te damos pelos manuscritos

Anjo Nejar, de próprio punho, ícaro

De própria asa-pandora, lírica

acervo e lavra: butim

LUZES DA RIBALTA

Desconfio

Viver não é atravessar a ponte

Mas se atirar no rio

HAVÊNCIA

0l

nunca me deixaram ser nada

que nunca quis ser

então eu me existi no escrever

cada mar, horizonte e ilha

02

depois da poesia decantada

em que me fiz crer

então me chamaram pra dizer

prelúdios, plantações e ícones

03

nunca fui nada - nada sou

não me ensinaram o aprender?

minha poesia é minha estada

nessa havência de inquerer

.....................................................

quem quiser, assim, me conhecer

basta esquecer-me (não sou nada)

e então, me Ler!...

INFINITUDES

Eu moraria em tendas

Como um escorpião

Mas me deram um arranha-céu

Na mão

Eu moraria em desertos

Como uma religião

Mas me deram endereços fantasmas

No chão

Eu moraria em galáxias

Ou numa outra dimensão

Mas me ensinaram a fuga na poesia

E EU APRENDI A LIÇÃO

NARCISO

toma conta de mim

faz meu chá de arroz

depois - muito além de depois

despe-me como se fosse ver-me

toma conta de mim

faz-me um afago no ego

e deixa que eu me aceite assim

estrangeiro em teu ver disforme

toma conta de mim

faz-me essa caridade

aceita-me como sou, como vim

um zero além do polimento da metáfora

toma conta de mim

lava minhas feridas íntimas

veste-me de barro e alecrim

para que eu mereça a câmara de vestígios

toma conta de mim

e ama-me como sou

simples, feio, triste e pobre assim

O HOMEM-CAMINHO

O homem sempre pode ser

Um homem e um caminho

E então esse homem-caminho

É verdadeiro em seu saber

Pois respira pelos seus

calcanhares

Peregrino a querer

Não só o amor

Ou a aventura filosofal dos ares

Mas até o sofrer

Por isso o Homem-Caminho

É verdadeiro

No seu ser-estar-permanecer

(Mesmo sozinho)

Como se de si mesmo estrangeiro

Mas infinitamente a crescer

PARAFRASEANDO MAIAKOVSKI

Para Carlos Nejar

Que o meu bom Deus me proteja

Mas não tem remédio

Prefiro morrer de poesia e Cerveja

Mas não de tédio.

ORQUIDÁRIO

Para Leila Chueri

A lição da orquídea

É pertencer-se à matriz

Que dela extirpa a cor

Como quem se mutila

A oração da orquídea

Não cabe no Ser raíz

Que dela explende a cor

Como quem se realiza

A lição da orquídea

É ser flor - não feliz

Por isso fenece logo

Depois que se eterniza

DUELO

Pra fazer poesia pura

Só preciso de fermento

É quando o íntimo se cura

O Ser de si lá dentro

Ajuda cerveja escura

Na gaiola de cimento

(Pra fazer Poesia Pura

Silêncio tem documento)

Animal

Gordo como um porco

Bêbado igual um gambá

Torpe como um corvo

Feio como tamanduá

Triste como um peixe

Sujo como um elefante

Pobre como uma hiena

Pétreo como rinoceronte

Simples como um texugo

Roto como um mulo

Amargo como um sapo

Finito como um chacal chulo

No entanto ele vegeta

Muito mais animal

Bode metido a poeta

Blues etílicos tal e qual

Cássia Eller

In Memoriam

a gilete cega descansa

agora, sobre o espelho

não ha vazios de restos

nem olhos ávidos de tremor

dorme a louca varrida

porcelana xadrez no íntimo

não querendo ser, foi

fêmea em si bem fatale

homem-menina, berrou-se

em canto de cisne louco

a bicha-grilo, Eller, ia

tocando pulsos em bemóis

caída no chão, flor-

de-ir-embora, Voa, Cássia!

Paquidermes

Somos tolos paquidermes

Com velas enfurnadas

Esperando ventos caseiros

Para uma aventura bêbada

Ao redor do quarteirão

Somos tolos paquidermes

Com trevas nas finas mãos

Procurando calma pra se coçar

Embaixo de uma bananeira

Que já deu goiaba em lata

Somos tolos paquidermes

Com lâmpadas de petróleo

Coçando berebas imaginarias

Tirando tatus do nariz

Sonhando Ícaros e Crusoés

Estação Sorocaba de Itararé

Fui te esperar

Na estação

Você veio. O Trem não

DOS POMBOS

Para a Memória de Vlado, Santos Dias, Henfil e Angélica

Posso escutar o sussurro das grandes estátuas de marechais

Reclamando da titica de pombos alvissareiros que, por décadas

Pesteiam o seu mármore mais oliva - de vilezas históricas

E tenho muito pena

Da bosta

Dos pombos

Estatuas de ditadores, generais, de outros vermes e estrupícios

Todos ganhando o verde húmus das fezes caindo do céu

Como a justiça divina - em ícones da descarga dos pombos

E tenho muita pena

Da bosta

Dos Pombos

Ilíada

Com Deus me levando

Com Deus me deito

-Crime perfeito

FORNOS CARVOEIROS

Os fornos carvoeiros

Têm os seus guris pretos

Com os olhos fagueiros

Em toscos comequietos

Sempre uns serviceiros

Se tornando espectros

Os gabirus rueiros

E os seus tristes gestos

Os piás clandestinos

Dos fornos carvoeiros

Têm nos frágeis meninos

Coitados, de trigueiros

Humildes com destinos

Em cruzes sem luzeiros

E são como caprinos

Nesses vis pardieiros

Os clandestinos fornos

Têm os moleques pretos

Na pele os contornos

Com fuligem em espectros

De exploradores donos

Morrem magros, infectos

Assim, em abandonos

Nem terão filhos ou netos

Meninos carvoeiros

Que sustentam seus pais

Pobretões e cordeiros

Desses guetos gerais

Passam dias inteiros

Transportando, em pás

Tantos carvões vermelhos

Que a morte lhes traz

..............................

Os patrões vivaldinos

Desses escravos pretos

São de grandes domínios

E têm lucros certos

(Os curumins, franzinos

Quais gravetos - espectros

NOS FORNOS CLANTESTINOS

SIMPLESMENTE SECAM)

OS DEZ MANDAMENTOS SÃO TREZE?

"Nem tudo pode ser perfeito"

(Adágio Popular)

Os Ensinamentos presenciais estão nesse kit básico de sobrevivência:

01)-Ama-te à ti mesmo como ao próximo. (Socialismo de Resultados?)

02)-Ama teu par e tua mão. (As solidões são sábias.)

03)-Cuidado com o drops no escurinho do cinema.

04)-Não fazer estátuas em vão. (Amai-vos uns aos outros

Sem lenço, sem documento.)

05)-Se o sonho for impossível, diga um verso e vá embora pra Pasárgada

06)-Um véu de tule xadrez com tubinho preto cai bem aos sábados santos.

07)-Cair em tentação é não estar podre. (O coração continua.)

08)-Não terás um segundo Deus além do móney...

09)-Uns são, uns não, uns hão, uns vão (uns Vã Gogh)

E ainda existem as ostras.

10)-Tudo pela Poesia. (No Novo Milênio os chips serão mosaicos humanistas

de

Pertencimentoss & Ninhais) - Ai de ti Ignorante Político!

11)-Habemus Esoterismos Tantãs - (Do Jazz nasce a luz?)

Há bares que vêm pra bem - É melhor morrer de cerveja do que de

tédio

12)-Pátrias Nada ! Globalização do neo-escravismo liberal tercerizado

(Deus Puna a América)

13)-Tudo por Amor! (Os loucos herdarão a terra)

Ciranda Globalizada

Batatinha quando nasce

Vira fritas no McDonalds

Caipiríssima

Com açúcar furtado

E um belo litro de vodka na mão

O poeta desesperado

Grita: -Meu reino por um limão!

ALÉM LUZ DE...

Conhecer

É lembrar

Viver

É adquirir

Morrer

É fechar mais um arquivo

Aprender

É buscar

Amar

É produzir

Viver

É montar mais um arquivo

Viver

É ser-se

Voar

É estar luz

(Morrer

É levar conhecimento para a luz)

T A M A R I N D O

Se eu escolhesse ser um fruto

Seria Tamarindo

Não conhecendo esse fruto

(Tez, estética, sabor, gume, gula)

Gostaria de sê-lo e, às vezes

Sou-o

Sou um Tamarindo que não é

E não o sendo

Pertenço-me, fruto, nessa tez

Estética, Sabor, Gume, Gula, Néctar

E açúcar de mil encantários

Sabor de

O que é exatamente Ser Tamarindo?

Não sei se sei

Mas querendo ser e às vezes me sendo

(Maduro, doce, flor, fruto, outono)

Sinto-me pomar, bosque e esperança

Sementeiro

E sei que um dia ainda serei um tamarindeiro!

Rã e Nudez

Já fui pobre como um imã

Atraí depositários

Não fiquei rico, procuro

Ilhas de encantários

Já fui pobre como uma rã

Procurei, sedentário

Quem me desse um hangar

Que não me fosse calvário

Já fui só como pura lã

No tear do imaginário

Mas vesti-me de nudez

Com um sentimento vário

Hoje sou assim tristinho

Velho lobo solitário

Escrevendo meus lamentos

Blues extraordinários

DANÇA COM LOBOS

Estive em todas as épocas

Mas não me tiraram para dançar

Assim voltei para caçar

Os predadores

Estive em todos os tribunais

E me crucificaram para pagar

Assim voltei para julgar

Os delatores

Estive em todos os céus

E me destruíram para anular

Assim voltei para afundar

Os navegadores

....................................

Estive em todas as mortes

E me condenaram a Voltar

ASSIM VOLTEI PARA RECRIAR

TODOS OS HORRORES!

CARA(S)VEL(H)AS - ( MANUSCRITO 2.000)

"Em se plantando, tudo dá..." "...Pátria Amada/Pátria

minha/Pátria nada/Pa-

(Carta de Pero Vaz Caminha) triazinha" - ( Poeta Vinícius de Morais)

01)

Vamos invadir a Terra de Santa Cruz, Brasil

Vamos explorar a Terra de Santa Cruz, Brasil

Vamos colonizar a Terra de Santa Cruz, Brasil

Aquelas grandes árvores raras, belas, tintureiras

Aquelas rubras vergonhas de índias saradinhas

Aqueles exóticos litorais; praias a beira-mar

Aqueles cafundós de Ameríndias Tordesilhas

02)

Vamos deixar nossas civilizadas marcas santas:

Sífilis, Cruzes, Vírus - muitos mestiços bastardos

E depois, ainda, para plantio lucrativo levaremos

Fortes negros seqüestrados do norte da África

Para poderem nos produzir latim, açúcar e ouro

E gerar mulatas, amas-secas - escravas sem alma

Em rituais pagãos, nos becos injustos das senzalas

............................................................................

................ Quando voltarmos, vitoriosos à nobre metrópole

Deixaremos milhões de vermelhos selvagens extintos

De castigo, jesuítas, inquisidores, moínhos, pestes

E uma continental, sagrada língua-mãe, ibérica

Até que Poetas trovadores, centenas de anos depois

Lavrem rústicos banzos tropicais, desabafando

Com a nossa caravélica e histórica marca: Lusos!

NAVIOS NEGREIROS

In Memoriam de "...depois dos Navios Negrei-

CASTRO ALVES ros/Outras Correntezas"

(Um Trem Pras

Estrelas-Gilberto

Gil/Cazuza)

NAVIOS NEGREIROS NAVIOS NEGREIROS

DE NOVOS FEITIOS RIQUEZAS IMPUNES

NEM MARES OU RIOS INJUSTAS, IMUNES

-BUEIROS (VEZEIROS)

NAVIOS NEGREIROS NAVIOS NEGREIROS

NESSE PINDORAMA DE ANJOS MESTIÇOS

PAÍS COM SEU DRAMA: COM DONOS POSTIÇOS

MEEIROS ESTRANGEIROS

NAVIOS NEGREIROS NAVIOS NEGREIROS

DE TEMPOS MODERNOS BANDEIRAS INÚTEIS

E TANTOS INFERNOS EXPLORAM (E FÚTEIS

INTEIROS HERDEIROS...)

NAVIOS NEGREIROS NAVIOS NEGREIROS

NAUFRÁGIOS SOCIAIS POBRES TRABALHADORES

CENTENÁRIOS SAIS SALÁRIOS, HORRORES

CRUZEIROS... (PARDIEIROS)

NAVIOS NEGREIROS

BRASIL-QUINHENTOS

VELAS AOS VENTOS

GUERREIROS

..........................................

NAVIOS NEGREIROS

DE ESCRAVISMOS NOVOS

matam teus povos BRASILEIROS! ***

Relógio de Água

gota a gota

gótico.

gota a gota

ótico.

gota a gota

tico.

gota a gota

ico.

gota a gota

co.

gota a gota

o.

(ping) o.

(ignótico)

Réquiem

Por favor, me perdoem camaradas

Mas hoje eu não vou dizer Bom Dia

Em sinal de protesto, de luto, de sofrência

Hoje eu não vou dizer Sejam Felizes ao casal jurado de arroz e flores

Nem vou dizer "Paz e Amor" aos jovens pequeno burgueses alterados

quimicamente

Nem vou estar inteiramente em mim, hoje.

Por favor, me perdoem irmãos e amigos

Mas hoje eu vou fechar a cara

Vou demonstrar cactos de tantos vícios adquiridos no meu íntimo pisado

E meus olhos segurarão a dor o dia inteiro

Pelo horror da guerra.

Hoje, me perdoem por favor, me perdoem

Eu não vou nem exclamar Meu Deus!

Nem vou falar em seres no curtume espúrio da raça humana

Muito menos me vangloriar de Almas Naus nos encantários de espíritos entre

círios

Pois hoje vou me desamanhecer em uma pedra selvagem

E terei nojo da espécie.

Perdoem, mas hoje vai ser um dia que arrancarei do calendário de minha

havência

Não quero ouvir o pulso púrpura de um átimo dizimal

Nem do tempo confinado à seara do ultrapassado dia

Pois sei do bicho-homem rude à beira do abismo

E do Eu de mim atribulado (no desespelho) por causa da escória no poder.

Sei que hoje eu morri muito mais de dez anos

(Perdoe Poeta Drumond, perdoe o dezelo

Mas meus ombros não suportam o cálice do mundo

Nem quero a cruz de arames de um Carlito puro

Ou o silêncio-albatroz dos jazigos perpétuos em templários com ceifas)

-Eu acreditei no homem e escrevi poemas e banzos ao espírito da vida

Mas os espantalhos das tragédias tiraram a humanidade presencial do eixo de

justiça e convivência entre contrários

E as esperanças estão perdidas em gumes...

Perdão, o sonho de Lennon e Gandhi acabou

Ogivas voam sobre paisanos - crianças de olhos doentes e casebres desérticos

entre montanhas

Num areal sem fim, entre carcaças com cimitarras e cabras cegas

A América Rica e poderosa regozija e tenta matar o nada

E o meu medo e a minha angústia se juntam à uma vergonha sensorial, tristice

Num pertencimento temporão que eu faço prece laica de desatino e horror.

Perdoem meus filhos, anjonautas, árvores, rios, monjolos, manjedouras,

ninhais, baladas de incêndios, papoulas e magnólias

Hoje eu nem existi, nunca me fui hoje

Apenas meus olhos envergonhados e umedecidos vêem

O que o atribulado coração ressente

E minhas rupestres mãos escrevem essas garatujas

Como sideral homem das cavernas em buracos negros do espaço

Quando meu despojo de ser quase antena da época

Feito mambembe Rimbaud pós-moderno

Pede paz, clama paz, louva a paz, e não há paz.

............................................................................

..... O ódio venceu, viva o ódio!

De alguma forma, com certeza, estamos mortos para sempre

De novo um dantesco espetáculo de guerra com lucros, posses e retaliações de

dogmas com fanatismos

(O Sétimo Selo do anjo apocalíptico de São João

É um abutre com saga de hiena e mísseis com estrelas mórbidas.)

Ave World Trade Center, totem brucutu de acúmulo de riquezas injustas e

amorais lucros exploradores

Os que também vão tombar te saúdam na memória

............................................................................

..... (Do alto das carroças de tantos séculos eternais

Os Visitadores de dentro da Zona Proibida

Priorizam o Plano B para a evacuação dos espíritos sem máculas

Com códigos legados em genéticas de urânio.)

07.10.2001

POEMAS & POESIAS

Para a poeta Elisa Barreto

Não discuto o sexo dos poemas

nem a vacância de mensagens

muito menos dicções ou mitologias

eles se bastam com arestas

multiplicando zeros e infinitos

não discuto a vertente das poesias

que de si mesmas são distintas

o ritual, a consciência, o melódico

tudo isso são cincerros e egos

questionários, renúncias, pertencimentos

não discuto o simbolismo dos poemas

que por si só podem ter ícones

não quero rótulos, escolas, sachês

e sim rupturas com a sintaxe

técnicas de aproximação, mixórdias

não discuto a lírica das poesias

nem códigos, modismos, planos

quero repertórios de niilismos

e o plano da existência táctil

como réptil com asas, mimetismo

não discuto a lógica dos poemas

quero pluralidades de pedras

o neobarroco, os vetores chaves

são enguias sistêmicas e fazem

do poeta um cacto de bruxo

não quero a vanguarda das poesias

mas elas em si mesmas cibalenas

núcleos, encantários e enzimas

safra de paradoxos críticos

técnica de vernizes diversos

não discuto a poesia no poema

sou um clandestino com lúpus

a lepra de ser-me - sentença

angústia-vívere; roca & singer

baladas de incêndios, odes instintais.

Intimidades

A sua voz pertence-me.

Silêncio de ubre.

Nos caldeirões dos vulcões íntimos

A tua presença efêmera.

Descer aos infernos.

Buscar o lagarto-Ser

(Há uma voz que soa

Com invisível peso

na alma-talismã.)

Sou um esquecimento.

Dentro do vácuo de não-Ser, sôo

(Ubre de tua voz:

silêncio de pertencer-me teu)

Domínios de Foro Íntimo

Domino

Minha arquitetura de insano

E preparo-me para atravessar

Esse deserto dentro de mim

Fases em que sou porcelana.

(Penso que estou sendo roubado

Ou seguido

E meu instinto apurado vicia-me

Forçando a arquitetura instintal)

Sei quantas naus

Fazem uma existência galáxia

Sei quanto amor

Invalida um teto intocável.

..........................................

(Domino

Meu desejo de voar para o aquém

E caibo-me em mim

Porcelana envernizada de desuso)

Borboleta Presa no Criado-Mudo

A borboleta cinza, presa

Dentro do criado-mudo

Lê toda a minha tristeza

E não escapa, contudo

Ainda retida a vejo

Entre souvenirs, pincéis

Rendida em meu desejo

Perto de pedras, anéis

Que se ligam ao passado

Que ao meu hoje influi

Nas cinzas do meu estado

O meu pertencer conclui

De uma maneira patética

Como borboleta refém

Dando asa à estética

Do meu amor tão sem

Metáforas

Passar a vida inteira escrevendo corrige

Algumas metáforas

Do que até pode realmente significar Existir

Extravaso-me, diluo

O peso do subviver

Exerço uma catarse

Decompondo-me, criando

Cada palavra, frase, sentença, dor

De uma outra nova forma reinventada

Tornando-me, reagente, ao rever

O exercício inglório dessa vida

Uns me pedem conselhos: dou poemas

Outros invejam-me; e constróem castelos

de areia para mim

Mas eu escrevo como se um condenado

A depor, delatar - deixar claro para os

abismos do futuro

A minha insatisfação com a mediocridade

À Sós Comigo...

Quando quero estar um pouco à sós comigo

Esqueço, desligo

E bebo uma cerveja gelada

Depois tomo outra e assim por diante

Como se durante

Desse-me com a minha porta de entrada

E quando encontro-me comigo, à sós

Meu escrever é porta-voz

De uma morte anunciada

Afinal, viver nem sempre é poesia pura

Às vezes, até uma ruptura

De quem, no Existir não está com nada

Depois de comigo à sós me restar

Sem dança - sem par

Eu me resto totalmente revelado

Então eu esqueço a existência

De outro mundo tomo ciência

E é cada um (poema) pro seu lado

APRENDI A ANDAR COM MULETAS

Aprendi a andar com muletas

Dói-me os ombros, as mãos

A coluna e os punhos

Mas conservo-me em pé, pulando

Caí, cortei-me, feri-me, me vi

Ao rés do chão - num bosque

De ricos passando - um mendigo

De pobres hilários, rindo de mim

Aprendi a andar de muletas

Em casa, como um cavalo, um potro

Tropeço nos tacos soltos

Nos ácaros, espelhos, máscaras

(De madrugada, escondido

Tomei cerveja - escrevi

As muletas então eram outras

Com poemas voar aprendi...)

Achados & Perdidos

Troco envelopes brancos fechados

De cartas anônimas de suicidas

Por jubas de paquidermes antigos

E sombras de dentes-de-leão trazidas de pétreos pomares judeus

Aceito partituras de velhos blues

E saltos de sapatos de palhaços

Em troca de falsos esboços de Picasso

Ou mentiras de mães solteiras escritas em papel-carbono lilás

Vendo os meus bobos direitos autorais

(São milhares de poemas endêmicos)

Por ninharias como desejos de ser feliz

Ou pedaços de frutas cristalizadas roubadas de Casablanca

Aceito doações de tonéis de vírgulas

E postas de peixes cegos por mercúrio

Vendo minha coleção de canivetes

Minha coleção de adeuses escondidos (íntimos) de fins de arco-íris

Guardo capotes suados de operários

Pinto janelas que dão para abismais

Tomo conta de coleções de lesmas

Por conta de atirarem fósforos usados no dia do meu enterro

Minto poemas com gordas rimas

Lavo cachorros vadios de ruelas

Pinto vãos de cervas, anões de jardins

E até, aceito, no íntimo, gritos de pedido de socorro, em vão...

Se alguém quiser saber meu endereço

Onde eu moro - como uma tatuagem

Pergunte à uma alma livre como lupa

E esprema limões de gracezas nas esperanças cor-de-rosa

Eu estou aqui e ali como um salmo

Pertenço à Nau de Ícaro das chuvas

E cada um pode me reparar em si

Quando o sol brilhar (E for triste e solitário dia de relâmpagos. )

Nunca Mais

Nunca me deixaram ser o que sou

Mas eu continuo sendo

Invento meu próprio mundo e dou

Testemunho que sigo vendo

Às vezes sei que o sonho acabou

Outras vezes pretendo

Crio meu medo triste e vou

Sonhar o que está nascendo

Se me deixam só, só estou

E me sinto horrendo

(Depois que o amor me marcou

Não sei o que está acontecendo)

Nunca me deixaram - e eu sou

O que no criar pretendo

Dou-me comigo e assim vou

Eu de mim mesmo havendo

"Em Flor" (Cantar de Amor)

Quando te vejo

Amanheço de novo meu radar noturno

Coloco caprichos nos sonhos

E aconteço minha epifania

De ter te deixado ir-me

Quando te vejo

Compoto um arco-íris quase avelã

Embrulho o coração porto

Forço minha angústia-vívere

Ser-me de próprio punho

Quando te vejo

Desabandono-me no Eu de Mim

Troco andaimes com tristices

E ainda hei de - Ai sofrências!

Pertencer-me em ti; todo teu

Quando te vejo

Levanto-me de ser um "Sentidor"

Secreto te oferto amor

Clandestino - louco que seja

Além de platônico, EM FLOR!

EU, VOCÊ, NÓS

"Bati em tua porta/E perguntaste: -Quem és?/Tolo, eu respondi/Sou eu - e

limpei os pés/Mas, disseste, aqui/Aqui só cabe um - fiquei à sós/Pois eu

amadureci/E voltei a ouvir tua voz/E disseste: -Quem está aí?/Eu de presto

respondi: Nós!/Então me deixaste entrar/E juntos temos um LAR"

O AMOR

O amor é um refém

Que espera ser liberto

Um herói - deve haver alguém

Que tenha o coração à céu aberto

O amor é um refém

Em si mesmo condenado

Mas na esperança também

Paga um preço de alumbrado

O amor é um refém

Sem razão - sem endereço

Como ao coração convém

Achar alguém que pague o preço

O amor é um refém

Triste - a esperar resgate

Na solidão pode ir além

Até que o sonho impossível o mate

(O amor é de ninguém?)

O GADO

O gado no campo

Procura compreender o seu dono

Lavrando, lavrando

Com raiva, com medo, com sono

O gado no campo

Procura compreender o Humano

Correndo, cuorando

Como se se fundasse no dano

O gado no campo

Procura compreender a humanidade

A igreja, o banco

A cela, a solidão, a saudade

............................................

O gado no campo

Procura avaliar o seu estado

(E vê o Ser Humano

No redil de sua sina confinado!)

VIAGEM

Tomo-me de mim, pelas mãos

E ando - nas palavras

Caminhos, hangares, véus (viagens)

Pé direito enfaixado: passaporte

Nunca estou exatamente em mim

Divago: catarse (alumbramento)

No onirismo de escrever, vôo

O par de muletas - as asas

Sempre fui assim: viajador

A abstração - o íntimo-coisa

As palavras, fluxos inconscientes

E a poesia-fuga: Poesilha

Agora que estou de pé torto

Zumbi a escrever ninhais

Pertenço-me; ourives textamentário

E escrevo: palavras de ver-me

NO DIA DE IR-ME EMBORA

No dia de ir-me embora

Como eu vim, feito seqüela

Direi adeus escondido, no olhar

E depois tomarei licor de ausência

Meu armário e meus alunos

Meus sonhadores pedagogos

Sairei como um pássaro velho

Indo em busca do meu rincão

Talvez eu deixe saudades

As loucuras, o humor, os sonhos

Quem me amou, criou cardumes

Quem me ignorou, serviu-se

No dia de ir-me embora

Com minha cotovia no íntimo

Com meu bandoneom no peito

Não chorem: mereçam-se

Quando Vencer o Meu Prazo

Quando vencer o meu prazo nessa estadia

E o bruxo do tempo vier me buscar

Não direi adeus - esconderei esse dia

E sairei em silêncio para não chorar

Sairei pelos cantos como um condenado

Darei a última aula - e irei-me embora

O ritual do destino é cada um pro seu lado

Nem gosto de dizer Adeus nessa hora

Pegarei a mochila, o apagador, o boné

A velha e carcomida caixa de giz

E de mansinho retornarei para Itararé

Como se tivesse sido um pouco feliz

Talvez meus amigos sintam minha ausência

Ou meus inimigos digam gracezas de mim

Se amei e não fui amado, paciência

Cada ciclo tem lavra, princípio, meio e fim

DIA DE CAUBY

Tem dia que eu acordo Elis Regina

E canto Casa no Campo

Como Nossos Pais

Ou Madalena e Arrastão

Tem dia que eu acordo Jamelão

E canto Lupiscínio

E com fascínio canto até samba-enredo

Ou samba-canção

Mas tem dia que eu acordo puto da vida

E é exatamente nesse dia

Que eu faço poesia e canto CONCEIÇÃO!

Silas Correa Leite – E-mail: poesilas@terra.com.br – Site: www.itarare.com.br/silas.htm