O HOMEM  SÓ

Pelo meio fio o homem arrasta seus sapatos gastos
Parecendo contar mentalmente - Um sim, um não. Um sim, um não – os seus tristes passos.
Caminha entre a tristeza e a solidão amarga de quem não possui ideal, apenas vive um dia de cada vez.
Anda na ponta dos pés e na ponta do mundo gira a vida de acordo com o vento – norte ou sul, tanto faz.
A ordem dos instantes e o momento se acabam na próxima esquina ou no próximo bar?! Sabe disso. Até ousa um pensamento, mas acaba engasgado no desatino que antecede a embriagues.
Este tempo é seu. Apenas um esquadrinhar de horas convidando-o a mais um gole. Será esse o prazer do infinito descanso?!
Queria fugir. Fugir com a bailarina do circo e beijar a boca vermelha apenas por um segundo [perpétuo], lamentável turbilhão de sonhos que ficaram para traz onde suas mãos jogaram a última garrafa da bebida barata.
O circo se foi. A bailarina coberta de purpurinas se foi. Não houve o beijo. Não houve nada.
Entediado ouve o latido do vira lata sarnento que o acompanha e lambe suas mágoas.
Brinca com ele. Sancho. Assim o chama desde que se tornaram amigos de caminhadas, amigos de ruas e calçadas. É um quixotesco ser esmulambado e seu escudeiro fiel, sarnento, mas, feliz enquanto sonha odores e carinhos.
Olha seu olhar opaco por sobre mundo e sorri. É assim mesmo – tudo um imenso nada. Sente um vazio no estomago igual ao das Carmelitas que jejuam e o fazem pela fé. Fé em quê?! Nestas noites frias que se avizinham das cegas janelas e atravessam as casas onde ele não pode se abrigar com seu cão sarnento?! Fé nestas portas pesadas dos
templos e igrejas sempre fechados? Fé nas palavras espremidas entre dentes e bigodes aparados?!
Não tem fé, tem fome! Uma fome desencontrada, melancólica, dolorida.
Tem fome de vida, tem fome de pão, tem fome de “pinga”, tem fome de ser gente.
Melhor não pensar! Melhor olhar o meio fio e o asfalto e brincar com os dois, pisando em falso ora num, ora noutro. E pensando nisso arruma a touca puída e torce o cachecol no pescoço, alisa a cabeça do cão e se vai pisando no meio fio – Um sim, um não. Um sim, um não. Um sim, um não... Tenho nome, não tenho! Sou gente, não sou!...
Luciah Lopez
Enviado por Luciah Lopez em 31/05/2008
Reeditado em 10/05/2010
Código do texto: T1013455
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