Tudo por uma Sanfona, uma Zabumba e um Lampião

Tudo por uma Sanfona, uma Zabumba e um Lampião

Gorete Amorim

Era véspera de São João ouvi Joana gritar: “Vamos num forró pé-de-serra, la pras banda dos Pinhá!” Me animei com o convite e fiquei a imaginar, no puxado da sanfona, da zabumba e do pandeiro, na luz do lampião aceso e um pé de ouro pra forrozar. Fiquei alegre ligeiro, fui a veste arrumar, não era qualquer vestido que servia pra dançar, tinha que ser bem rodado, com flores grandes vermelhas, daquelas chitas bonitas, que chama a atenção quando chega.

À tarde Joana chama: – Vamos Maria, tais pronta? Gritei de dentro de casa: - Ave Maria Joana, que forró cedo é esse? Joana sem muita pressa logo depressa me disse: - Não Maria, não se avexe, o forró não é agora, mais temos que ir mais cedo, antes do escurecer.

Então apressei o passo, logo fui tomar meu banho, vesti o vestido de chita, uma alpercata de couro, fiz duas tranças bem grandes amarradas de fita amarela, depois fui botar baton, pó e ruge nas buchechas, fiquei tão linda! Tão linda! Que eu mermo me admirava. Corri pro meio do terrero e gritei: Joana!!! Tou pronta muié, e doidinha pra dançar!

Joana também já pronta, saímos juntas andando, parecia um par de jarro numa mesa a enfeitar, nem olhava uma pra outra da pressa de logo chegar. Haja estrada, haja estrada, e comecei a cansar. Então perguntei a Joana: - Não chega não nesse lugar? Joana me respondeu: - Num se avexe, logo, logo vai chegar.

Começamos a subir serra, haja caminho pra trilhar, subindo e descendo pedras no caminho a encontrar, o suor que na cara descia fez a buchecha lambuzar. O dia escurecia e nós nada de chegar, passamos num cemitério, era de arrepiar, queria me arrepender, mais não dava pra voltar.

Fomos subindo, subindo, e nada d’eu escutar, o som da sanfona tocando pra meu coração alegrar. Eu já me abusando com Joana, nem falava mais em nada, tudo por uma sanfona, uma zabumba e um lampião, era mermo o que eu pensava.

Mais graças a Nossa Senhora, uma esperança brotou, encontramos Mané João, que se alegrou ao nos vê, e sem pensar logo gritou “Vige Maria, vocês veio!!, o forró tá começando, é hora de nós dançar.

Nós corremos pro salão de uma casa de reboco, o chão batido de barro e o lampião pendurado, a sanfona e a zabumba começaram a tocar, o sangue foi esquentando, o corpo se balançando, encostei num pé de ouro e comecei a dançar. Foi forró a noite inteira, as pernas chega tremia, a poeira que subia deixava os olhos ardendo. O suor que escorria, ensopava nossas roupas, mas nós ali nem ligava, ralava coxa com coxa, era um forró bom da gota, quem dera as horas parasse, e a gente chamegasse até nunca mais parar.

Quando o sol foi saindo, o sanfoneiro cansou, o zabumbeiro parou e nós já não agüentava mais. Então Joana gritou: - Vamos Maria, é hora, não pudemo demorar, temo que chegar em casa antes do dia raiar. Descemos a serra apressadas, com traje de borralheiras, mas sastifeitas demais, uma sanfona tocando numa sala de reboco, é coisa demais de boa, coisa sem comparação, só sabe quem exprementa, e nunca mais quer deixar, vale a pena subir serra, enfrentar bicho papão, tudo por uma sanfona, uma zabumba e um lampião.

Maceió, 06/06/2008