Canto Por um Canto

Canto por um canto

Naquela manhã de sol, levantou mais cedo e foi se aprontar para a estrada, recomendações de mãe preocupada, conselhos, meu fio muito cuidado...

Os seixos deslizavam abrindo espaço entre as rodas da bicicleta, havia o suor e um ou outro andarilho na estrada, o resto era só a sequidão da caatinga, no caminho, a casa de taipa e o sol a pino, o copo de água barrenta matou a sede, mas não a fome, vão-se veredas, depois cansaço, o único alento era ter percorrido metade do caminho. Passava um ou outro cristão carregando o peso de morar em paragens tão insólitas.

No carnaúbal, descanso era ouvir o cantar de graúnas e sabiás...

Naquelas paragens tudo era quieto, de repente houve no ar uma mudança, o cheiro falava através das galhas da oiticica. Veio o vento das bandas do Aracati trazendo pro vale a essência de sua brisa e frescor, mas era um vento diferente nascendo com o crepúsculo numa tarde cinzenta com cheiro de cajárôna e tamarina, dos patos aos currais as criações festejavam o prenuncio do fim da estiagem, havia uma certa alegria estampada no rosto das pessoas.

Daquela noite sem estrelas romperam coriscos e trovões.

O sol acabrunhado, não teve coragem de romper a barra do dia, que de tanto esperar se fez noite.Não houve espaço nem tempo, só brincadeiras de meninos. As águas subiram, trouxeram pro sofrimento a companhia da angustia e do desespero, levaram sonhos, e a alegria deu lugar à tristeza e o desencanto.

Não havia mais nenhum só lugar para armar outra rede, os mais novos dormiam com a mãe ou irmãos, os homens varavam a noite, a conversar sobre o infortúnio que os acometera, a casa agora ficara pequena para tantos hospedes.

As águas continuaram a subir, uns insistiam em querer voltar para ver o que tinha restado e retornavam desalentados, as noticias eram quase sempre as mesmas, o que a água não conseguiu levar foi saqueado por um ou outro, que por ali passando não encontrou nenhuma alma a pastorar as criações que eram levadas para os lugares mais altos, na lavoura teve quem conseguisse salvar de canoa algumas espigas de milho, quanto ao feijão não havia mais nada a fazer. Porem com as águas vieram os peixes, que faziam questão de pular nas peneiras que os meninos estendiam nos bueiros. Em casa as piabas faziam a festa dos pequenos.

Lembranças de uma cheia, de tão menino, de tanto tempo, de tanta saudade, de tantas lembranças...