Se alguém gritasse - Parte II -

Hoje eu percebo que te deixei por isso... por essa bobagem lúgubre de ser mais um. De estar nos mesmo lugares, de ser 'alguém' no mundo deles. De poder manipular as idéias e de vencê-los nas aparências. Me tornei um reflexo, um insentimento vagando pelos olhos do mundo. Algo descartável, fútil, desesperado, insonso e inútil. Um projeto sem fim de um mundo esquecido pela certeza.

As tormentas do mundo moderno e incerto traduzidas num espaço abstrato inundando as minhas idéias, as minhas mudanças... nem isso me fez cair aos teus pés e voar nos teus sonhos de mãos dadas com a facilidade! Eu sabia que não éras mais uma visão dos meus anseios, sabia que éras real, sentia tua respiração roçando na minha face ao amanhecer, mas nem por isso consegui abdicar dos planos mundanos.

Vaguei, existindo entre o real e o irreal, transformando os excluidos em parte do conjunto social. Ganhando cada vez mais admiradores e cada vez mais inimigos por querer juntar tudo em um só sentido e dar um sentimento a isto... Foi assim que gastei cada palavra e todo o meu amor... tentando encaixar tudo em um só lugar!

Eles não queriam! Debatiam, gritavam, brigavam por mais atenção... e eu dei-lhes o resto do que sentia!

Vegetei...

Entorpecida pelas promessas, que eu mesmo nutria, de vencer toda a discórdia que reina aqui... eu sucumbi aos erros do mundo e aos meus também. Deixei que a falta de esperança transbordasse contaminando todo o meu mundo perfeito e irreal.

Já não era tão fácil escutar as mentiras e ver o concreto espalhar-se por todo lado. Já não tinha estômago pra engolir a seco os desaforos. Já não reinava a minha beleza.

Tu transformado em banalidade juvenil, eu em revolta silenciosa e eles realizaram seus desejos...

Tudo rabiscado em preto e branco, sem nem um cinza pra contrastar, um vermelho pra arder ou um verde pra libertar. Eu vi tudo gelado, concreto, abstrato, um espaço vazio nutrido de ar abiscoitado pela ausência do amor. Vi tudo perdido, cada simples pedaço jogado no lixo, nos bueiros, nos canteiros, cada cria enfileirada nos edifícios aprendendo a ser como eles... mas eu também senti a vida brotando nas minhas entranhas.

A vida que vinha daquele estranho, das visitar noturnas, do desejo dele. Vi a vida nascendo, crescendo, vivendo... e por mais que todos tentassem, por mais que ela lamentasse eu plantei a duvida em seu peito e colhi milímetros de bem querer e revolta. Eu consegui, com as ultimas forças que tinha, faze-la pensar no mundo que habitava e por fim revoltar-se e aos seus semelhantes.

Morri! Sabendo que o poder não reinaria e que o teu calor voltaria a ser meu. Morri sentindo o teu toque e o teu beijo, mesmo vendo o olhar de um estranho perto do meu. Esqueci as vitórias e as glórias, esqueci as tormentas, esqueci as noites angustiantes, mas lembrei do cheiro quase doce de bergamota.