Charuto e esquina

O velho apertava os olhos, protegendo-os da luz do sol que parecia apontar apenas em sua direção. Deslocou-se, pondo a mão sobre a do rapaz que o acompanhava à mesa e o chamou com ânimo:

- Olhe ali, do outro lado, na calçada!

O menino, num susto, ergueu os olhos que estavam voltados pro livro, um livro sobre antigos povos da Babilônia, e voltou a cabeça pra onde o velho apontara.

- O que? – Perguntou o rapaz.

- Aquela menina. Está vendo? – continuou falando em voz baixa, mas num tom vibrante.

- Sim, estou vendo – retrucou o rapaz, com expressão de impaciência.

O velho então parou. Parou e deixou, por instantes, o olhar se perder no espaço. A claridade do sol, agora, parecia não incomodá-lo mais. Aos poucos, foi abandonando a mão do rapaz e se encostando de volta na cadeira.

- Seus passos... seus passos eram tão leves. - Disse com certo deslumbramento.

E, novamente:

- Muito leves... – só que, desta vez, parecia estar falando pra si mesmo, suspirando.

- A leveza de espírito afeta a lei da gravidade? – perguntou o velho ao menino.

- Por acaso a leveza de espírito interfere no peso dos corpos? – insistiu o velho.

- Não, meu avô. - Respondeu o rapaz com olhar confuso. É evidente que não e o senhor deve saber isso.

- A ciência já examinou isso, meu filho? - Insistiu mais uma vez o ancião.

- Não haveria motivos para tal, meu avô. – Respondeu achando graça, pois, agora, entendia que o velho o provocava.

O homem voltou o olhar para a menina que agora já estava distante.

Um pouco à frente, uma esquina cruel roubara-lhe a pequenina de andar leve e cabelos longos e encaracolados. Não deveria de haver esquinas, já que sempre nos roubam o olhar infinito. - Questionou o velho em pensamento.

Mas quando as coisas nos fogem dos olhos, a memória nos serve. E o velho via novamente aqueles passos leves, aquele corpo pequenino, aquela mão frágil segurando a da mãe. Cabelos encaracolados que se moviam conforme as vontades do vento.

O velho pegou de volta o charuto e permitiu ao menino voltar-se ao livro.

Bafejou, com o desleixo de sempre, aquela fumaça densa, mas tão leve feito os pés da menina.

E, silenciosamente, disse:

- Interfere meu filho. Interfere.