Uma canção que marcou

Hoje lembrei-me de você. Peguei meu violão, tirei-o da capa, sentei-me na varanda do meu quarto e dedilhei algumas notas. Meus dedos estão enrijecidos; há tempos não passeiam pelas cordas do violão. Há muita tristeza em meu coração e não consigo, sequer, cantar pra 'espantar' essa melancolia. Mesmo assim teimo em "tocar". Automaticamente, eu os posiciono para o primeiro acorde da música que, embora você não saiba, elegi como a "nossa música". Não tem jeito; todas as vezes que resolvo "tocar" alguma melodia, ela é a primeira - "Este teu olhar", Tom Jobim. A voz já fica embargada mas sai, baixinho:

"Este teu olhar

Quando encontra o meu

Fala de umas coisas

Que eu não posso acreditar

Doce é sonhar e pensar que você

Gosta de mim como eu de você...

É... É inevitável! Lágrimas já escorrem pela minha face; elas são quentes! Sinto meu rosto como se 'pegasse fogo". Não consigo continuar. Sua imagem - linda, por sinal - vem à tona. Seu sorriso, seu olhar cintilante, suas mãos que tocavam-me sutil e suavemente, e me fazia arrepiar. Ao trocarmos olhares, solfejávamos essa melodia. Irremediavelmente, um doce e terno beijo selava nosso idílio.

Encontros furtivos, quase sempre rápidos. Os "flertes"! Ahhh!... Meu coração acelerava. Ficava descompassado. Eu precisava conter-me para não demonstrar o meu amor, em público. Poucas vezes pudemos ter momentos 'reservados', mas quando aconteciam eram assim, de muita ternura, suavidade, carinhos sutís mas que dentro de mim, eram intensos!

Mas tudo acabou! Certo dia, apareceu dizendo que iria viajar sem data pra voltar. Você sabia que eu nunca poderia seguí-lo mas indagou, instigando minha vontade: " - vamos?" E sorriu. Entrou no carro e se foi. Nunca mais o vi.

Por isso, quando canto - ou tento cantar - a "nossa canção", choro de saudade e tristeza. A composição de Tom Jobim continua dizendo:

"Mas a ilusão

Quando se desfaz

Dói no coração

De quem sonhou

Sonhou demais

Ah, se eu pudesse entender

O que dizem os seus olhos."

Guardo novamente meu violão. Deixo-o lá, num cantinho do quarto. Quem sabe um dia, consigo dedilhar outra melodia?

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