A serpente invertida

A serpente invertida

O poeta verdadeiro, aquele que, mais que poeta nos versos, é poeta na vida. Aquele que desrespeita os limites da carne e incorpora à sua realidade o sentimento, o pensamento e a emoção daquilo que escreve. Este tipo de poeta, imortal entre os poetas e mais mortal que o mais simples dos homens, é a mais perigosa criatura entre os seres vivos.

Comparo-o à serpente, mas uma serpente ao contrário de sua antípoda encontrada na natureza. O comparo-o à serpente que, ao invés de instilar veneno, retira-o de suas vítimas. Sua pureza, quase viral, contamina o espírito incauto desarmando-o. Desprotegida, a vítima vaga, por período indeterminado, em uma espécie de vácuo, onde desatam momentaneamente os liames com o mundo tecidos durante uma vida.

Fragilizada, ela não raro é, então, devorada por aqueles que a cercam, ao farejarem sua vulnerabilidade. Como serpente invertida, a mordida pelo poeta não é menos mortal que a do rastejante ofídio. Li algures que Satanás era o Rei da Mentira. Acho que não. Pois ninguém poderia sê-lo além do Poeta!

É por isso que alerto, não encare um Poeta nos olhos dos seus textos se temes a suscetibilidade da tua alma.

Foge, sem olhar para trás, se um dia sentires aquela sensação de que algo que o Poeta escreve possa ter um traço de verdade. Foge deste poema, pois estás diante da cabeça de Medusa e suas inúmeras serpes.

Cuida, pois que estas serpes te querem sugar a dureza que envolve o teu peito, tragando para a superfície a humanidade que arde contida em teu âmago.

Corre sem pestanejar, olhando para o alto ou para o chão, mas não para dentro de ti, pois já estás contaminado.

Volta para os teus vermes, nos intestinos do cotidiano, e lava bem os teus olhos com o sangue do teu semelhante.

(Djalma Silveira)