José Paulo Paes, acima de qualquer suspeita...

“A poesia está morta

mas juro que não fui eu

eu até que tentei fazer o melhor

que podia para salvá-la...” *

Zé, Zé a poesia NUNCA ESTARÁ MORTA, porque diuturnamente, meu caro, muitos de nós, somos salvos por ela. Como poderia morta, ser presença, vida, alegria?

A teu convite, insisto em brincar com palavras, teimo em me fazer íntima delas. Sabe-se lá do que elas são capazes? Que surpresas ainda me farão? A boa notícia Zé, é que os passarinhos, as árvores, o mar, a lua enfim, um montão de coisa, continua a fazer fofoca em meus ouvidos. Fofoca da boa, dizeres de amor e sonho, falares do cotidiano grávidos de poesia e vida. E como gosto disso, meu Poeta!

Meu amor pela delicadeza da tua escrita continua crescente. Permaneço, como a primeira vez que te li, encantada com a beleza da tua poesia, com o fino humor de tua prosa, com a mordacidade das tuas reflexões, do teu pensar e dizer da vida sem retoques. Quem mais mandaria um recado para o patriarca Noé com tanta lucidez, tanta dureza?

- “ Como estás vendo, não valeu a pena tanto esforço:

a urgência na construção da Arca/ o rigor na escolha dos sobreviventes/ a monotonia da vida a bordo desde os primeiros dias/a carestia aceita com resmungos nos últimos dias os olhos cansados de buscar um sol continuamente adiado./ E no entanto sabias de antemão que seria assim. Sabias que a pomba iria trazer não um ramo de oliva mas de espinheiro./Sabias e não disseste nada a nós, teus tripulantes, que ora vês lavrando com as mesmas enxadas de Caim e Abel a terra mal enxuta do Dilúvio. Aliás, se nos dissesses, nós não te acreditaríamos.”[Mundo Novo].

Apesar de tudo Zé, sou uma otimista convicta e continuo acreditando que tem jeito, que tem conserto, embora muitos fantasmas continuem perambulando entre nós. Aliás, muitos deles são tão vivos, tão sedentos, tão mais interessantes que muitos que acham que não morreram!Para esses, sim, a poesia será sempre perigosa.

No mais, continuo tirando os óculos para te ler. Ainda não preciso de filtros. Vinícius não me pede mais para ler Gato da China e Passarinho fofoqueiro trocentas vezes, pois já faz suas escolhas.E ainda quero te dizer que nestes dez anos de tua ausência, continuas, acima de qualquer suspeita, um gigante da poesia e da prosa brasileira.

Saudades Poeta!

“...Tantos livros para ler

tantas ruas por andar...”

*[Acima de qualquer suspeita- José Paulo Paes]

José Paulo Paes nasceu em Taquaritinga SP, em 1926. Estudou química industrial em Curitiba, onde iniciou sua atividade literária colaborando na revista Joaquim, dirigida por Dalton Trevisan. De volta a São Paulo trabalhou em um laboratório farmacêutico e numa editora. Desde de 1948 escreve com regularidade para jornais e periódicos literários. Toda sua obra poética foi reunida, em 1986, sob o título Um por todos. No terreno da tradução verteu do inglês , do francês, do italiano, do espanhol, do alemão e do grego moderno mais de uma centena de livros. Em 1987 dirigiu uma oficina de tradução de poesia na UNICAMP. Faleceu no dia 09.10.1998.

[Nota biográfica do site www.jornaldepoesia.jor.br]