A velha casa

A cadeira rangia quebrando o silêncio noturno. Era difícil manter-se imóvel diante daquela ansiedade insólita. De nada adiantavam as lições existenciais por que passara todos esses anos. Sentia medo. Medo do nada. Do vazio que fora se acumulando em tempos de fuga e solidão. Um vazio metafísico, metafórico, enfim, algo intenso que contrastava agora com aquela represa de sentimentos em que se fechara.

Um ruído seco atingiu mais uma vez o silêncio. O som se difundiu como um fósforo crepitando na escuridão. Fagulhas flutuavam ao sabor de lembranças, como interrogações, associadas e conseqüentes.

Ela continuava ali. Jazia na cadeira a conjurar o impensável. Órbitas vazias, sonhos esvoaçantes emergindo das profundezas de um momento solitário. Sentia-se no limite desse espaço, desse trabalho consciente ou inconsciente da alma.

Olhava as paredes da velha casa. Já não eram azuis. Ali não mais havia o celeste alento da infância... ainda era o retrato contundente de que o tempo passara.

Sentada, meio atônita escrevia o que lhe vinha em mente. Letras retorcidas e concentradas corriam soltas pelo papel: “tenho um lugar no mundo”. Era um mergulho febril na saudade que sentia daquele lugar. Estava ali revendo sua história, cortando as páginas que carregavam o estigma da dor. Questionava-se, investigava seu novo espaço de vida. Aquela terra cantada em prosa e verso quisera lhe dar guarida. Sem críticas ou endosso. Sentia a mente unificada.Liberta. Ousada. Em equilíbrio.Queria soluções pacíficas, sem dilemas. Queria abraçar aqueles sentimentos e poder ser simplesmente feliz.