Soneto Meu e Seu

Por que eu o amava tanto, tão imensamente e de uma maneira tão irresponsável, eu nunca consegui dizer "eu te amo". Pelo menos não a tempo. Quando eu finalmente declarei o meu amor (piegas, tolo, irresponsável e anacrônico como o genuíno amor), seu constante riso de canto se fez gargalhada e minhas palavras hesitantes se fizeram incrédulas.

Logo eu, verborrágica de tão eloqüente, me vi ridícula por não conseguir explicar com palavras tão simples o que meu corpo disfarçou, meu pensamento ensaiou, meu ímpeto evitou e meu sussurro enfim não explodiu.

Vivi todas as paixões e conheci toda a lubricidade que elas me puderam ceder. Aprendi que o desejo embriagado em álcool e saliva e suor pode durar mais que uma noite. Fiz deste desejo um enredo para uma paixão ou duas, uma história contada para um amigo ou dois, mas nunca uma lembrança. A falta de amor, me parece, desfavorece a memória.

O amor, por outro lado, garante uma fidelidade impossível aos mais prescindíveis momentos. O sorrisos gratuitos. Os pedidos confusos. Os cachos de nossos cabelos. Suas lentes embaçadas e seus olhos apertados. O amor que ele deu a outra. Ficou tudo gravado em mim como em gado marcado, como um trauma, uma cicatriz, uma dor. Não se dissipa, nada se esvai.

Agora eu vejo sua barba crescida, seu andar consertado e seu dia agitado. Todo o amor que escondo me bate à porta me fazendo pensar se é verdade a mentira que contam de que todos nós um dia teremos direito a uma segunda chance.

Fernanda Gadêlha
Enviado por Fernanda Gadêlha em 16/11/2008
Reeditado em 16/11/2008
Código do texto: T1285997
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