INVENTÁRIO PARA AS MINHAS BODAS (Janeiro de 2000)
Tudo.
Tudo releguei ao fundo dos armários
Todo aquele furor libertino eu sufoquei
Qualquer fagulha temerária foi abafada
Quase tudo que foi escrito, por fim, eu rasguei.
Os amores antigos e proibidos
Transformados foram em tristes fantasmas
Como cadáveres de vivos sepultos
E que lágrima após lágrima
Irei exorcizando até que o tempo os transforme
Em cinzas.
Cinzas finas...
Finíssimas cinzas leves
Cinzas de fantasmas recalcitrantes
Que de vez em quando me assombrarão.
Em suma e enfim:
Toda a impudicícia foi aplacada
Pelo afeto que não tive
Pelos ideais que feneceram
Pelos frutos que apodreceram antes de madurar
Por causa da vergonha que eu jamais deveria ter tido.
O fogo está (presumo) extinto.
A chama (parece) virou neve.
(Neve muito branca e fria, como sói ser neve)
Casar-me-ei então!
Levarei apenas vestígios do que eu deveria ser.
Alguma cicatriz que por enquanto (ainda) sangra.
E uma lembrança bastante inexata
De quando os dias eram ensolarados
Cheios de luz e conforto.
Casarei com um gosto de sal na saliva
Muita esperança e poucas certezas no coração!