Estigmatizada
 
Hoje tomei consciência de como perdi tempo da minha vida
Pensando nos outros, minha vida foi sempre assim.
Vinha em primeiro lugar o meu semelhante — isso desde criança —, quando meu.
Pai era senhor digamos de negócios.
Como era a terceira filha e a mais velha de nove filhos, até então sete, pois as duas mais velhas já haviam partido para a "terra encantada", tinha de tomar conta da casa e dos empregados de meu pai. Minha mãe não tinha nenhuma intimidade com os afazeres domésticos, foi criada até os nove anos de idade com babá quando seu pai ainda era vivo; logo depois, quando completou quatorze anos, foi trabalhar em uma fábrica. E,naquela época, era o serviço oferecido para meninas da sua idade e depois casou sem ter experiência doméstica.
 
Quando terminei o ensino fundamental, ingressei na UERJ e fiz o curso de Letras. Fiquei noiva de um advogado metido em política, mas não deu muito certo; era muito jovem e inexperiente para lidar com pessoas do seu meio e condições financeiras dele eram diferentes das minhas, pois vim de uma família simples e pobre. Meu pai, filho de uma italiana, nasceu e foi criado em uma roça, e a minha mãe, filha de um negociante judeu turco, era muito simples também.
 
Tive de abrir mão do meu primeiro amor. Mais tarde, conheci o meu ex-marido, pai das minhas filhas. Foi aí que começou tudo, minha desilusão, falta de amor e traição.
Sujeite-me a um casamento de fachada para minhas filhas terem um pai; muitas das vezes fiz amor sem amor. Quando fiquei grávida da segunda filha dei um basta nessa situação e hoje sou uma pessoa livre e dona do meu nariz.
 
Outra vez vejo-me presa às minhas filhas sem ter coragem de tomar nenhuma decisão com relação à minha vida pessoal e me torno solitária e refém do meu semelhante.
Sei que na vida existem pessoas que mais parecem um buraco fundo, onde cabe tudo e esta toma para si e carrega esse estigma sem ter mesmo direito de reclamar. Então a minha vida é mais ou menos assim desde sempre.
Não tenho direito nem a ser feliz, existem impedimentos para tal realização.
 
Hoje mais do que nunca sei que estou no meu limite, sem nenhuma pretensão para o futuro. Vejo-me presa e amarrada em convenções que ditam as regras e mais uma vez tenho vontade de virar uma estrela e habitar um céu onde sei que terei companhia e com certeza serei feliz eternamente.
E é assim que venho-me sentido, sei que não devo sentir-me assim, pois tenho o privilégio que muitos não os têm, mas me falta muito mais do que tenho. Nem só de beleza, conforto, inteligência e outros atributos vive o ser humano. Ele precisa de muito mais do que tudo isso, precisa do essencial do infalível, do desejado e procurado por todos: o tal do AMOR.
 
Já o encontrei, mas me escapou pelos meus dedos, não me deu a chance de vivê-lo por muito tempo e hoje ainda guardo o sabor dos beijos que trocamos, e em meu corpo ainda guardo a quentura dos afagos e, na minha mente, tenho a imagem do seu olhar e, no arquivo da minha memória, tenho gravados todos os diálogos e monólogos entre duas pessoas apaixonadas.
São essas pequenas coisas que ainda me dão impulsos para a vida.
 
Sei que estou hoje muito amargurada, sei também que mesmo que eu viva mais alguns anos não serão o suficiente para amenizar esta tristeza, que sinto esta falta de alguém que já se foi e nunca mais irá voltar e eu que terei de ir ao seu encontro, pois os mortos não voltam mais e disso tenho a plena consciência.
 
Assim que me sinto hoje e não posso pensar de outra maneira porque tenho pessoas que dependem de mim para viver, não posso mais pensar nos outros e tirar-me a vontade de pensar em passar dessa vida para outra, porque tenho filhos, irmãs, amigos que sentirão a minha ausência.
Quem irá recompensar meus anos que perdi só pensando no meu semelhante? Você? Certamente não.
 
Não serei mais estigmatizada, quero ter pelo menos o direito de morrer sem deixar o outro em falta. As pessoas precisam caminhar com suas próprias pernas, e eu não sou o Cristo para levar toda a dor do mundo.
Quero e preciso ter o direito da escolha.
 
Perdão se peco em pensamento e em vontade, mas é assim que me sinto
E não vejo nada que possa fazer para amenizar essa tristeza, essa solidão
Esta falta de alguém que era a minha alma gêmea que não mais verei e terei
O seu consolo a sua palavra amiga e de amor que só um irmão tem.
Sim falo do meu irmão Carlinhos, ele sim que me ouvia nessas horas de aflição, não vou negar que o meu irmão Pedro também me ouvia, mas com o Carlinhos era diferente. Parecia que éramos uma pessoa só, nunca vi uma pessoa tão parecida com a outra como nós dois. Perdão!
 
sol pereira