Minas ainda há – 2ª parte - As manhãs são dos galos e das borboletas.

*Para o menino das ruas de Cachoeiro, porque... “Há textos que a gente lamenta quando terminam” e, principalmente, porque o menino tanto sonhou em construir mudanças no mundo que hoje muda o mundo construindo sonhos.

Argumento motivador da 2ª parte: Os sonhos não terminam de manhã

Dentro dele canta um galo. Acordou junto à primeira fornada. Um pão quentinho e Minas cabia naquele cantinho.

Lá fora, as folhas choram o orvalho da noite que ninou as ladeiras. Telhas com lodo acusam: por ali passou água, por ali passou vida; Minas passou por ali.

E para onde foi Minas? Terá ido para o bater de asas do beija-flor ou para o deslizar da gaivota? Não importa. Minas paira. É o que os galos anunciam todas as manhãs.

Você não os ouve de seu arranha-céu? Experimente passar um dia arranhando a terra... Fazendo desenhos nela, casinhas de barro... Ah! Como fiz casinhas de barro! Sim, Minas mora nelas.

E pode morar também na sua, basta ouvir o cantar do galo.

De repente, no ouvido um estalo. É estalinho, é São João. A brasa da fogueira escreve no vento: “É Minas! É trem ‘bão’!”

Olha o trem ziguezagueando as montanhas, parece brincar com os cafezais... Café com galo cantando? É gosto de quero mais.

“Toma os trocados pro seu doce, vai lá na barraca, meu filho, deixa eu fazer o bolo de milho.” Ah! Quero mais...

Minas deixa esse gosto nos lábios dos que já a beijaram. E sinto... E há. Como quando um domingo à tarde me faz sentir passar a banda... Ela não passou? Mas senti. Como quando um pingo de arte me faz sentir rodar em ciranda... Não rodei? Mas senti.

Minas é sensação. Como amar sem sentir? E que gosto tem o real sem o amor que se confunde com aquele chamego de interior?

Que gosto tem a fruta comida do pé? Tem gosto de Minas! Para que lavá-la e tirar seu pólen? Minas é aquela pétala que compõe a flor, porque secá-la é lhe negar sabor. Sim, mangas têm pólen, margaridas têm sabor.

Como um grão de areia que na nossa mão é maior que o mar, Minas transforma, se transforma, nos transforma. Por isso vive.

Vive na folha que cai da árvore e voa que voa. Sabe-se lá onde vai parar. Vive na formiguinha que sobe a parede à toa, à toa... Que nada, está a trabalhar.

Está presente nas abelhas que dão mel e nas ovelhas que dão lã. De onde vem isso tudo, meu Deus?! Para compor uma mesa de ceia, risadas harmônicas e tortas rodeadas de saladas de frutas. Quantas Minas, quanto campo, quantas lutas!

A pedra que dava ouro hoje dá louro a quem nela crê. Em Minas, tem dessas pedras que rolam na grama, se sujam de lama, sem se importar com quem vê. Nem com quem ouve...

Mas o galo quer platéia... E a platéia precisa dele. Ouça você com mais cuidado. Sim, ele canta em sua metrópole. Até na Avenida Central ele canta. Verdadeiro mestre em disfarces, sabe de inglês a javanês.

“Um dia traduzi num exame escrito: ‘Liberta que serás também’. E repito” Foi assim que, naquele que considero o seu mais belo poema (“Pátria Minha”), Vinícius de Moraes confessou ter um dia errado a tradução do lema da bandeira mineira. Repito com ele!

Como saber se Minas há se você nunca buscar libertar-se para que ela liberte-o? Não tem tempo? Ah, foi bom lembrar... Cocoricó!!!!! Para ser livre, Minas gosta de libertar os relógios.

E o que Minas mais gosta mesmo é de ser Minas. Uma autenticidade que nunca ninguém vai lhe tirar.

Seja você mineiro ou capixaba, brasileiro ou estrangeiro, é fácil entender. Minas é sinônimo de sonhar.

Já foi num campinho daqueles de várzea e observou alguns pés descalços atrás de um sonho? Já interpretou o rosto de quem ganhou sua primeira pipa e foi pro alto de uma ladeira para soltá-la sonhando alcançar as nuvens?

A Minas de que falo é tudo isso. Todos os sonhos que enquanto houver o pulsar de corações não morrerão.

Ela está nos hábitos mais gostosos que a humanidade já produziu. Desde o sonho de abraçar o mundo ao desejo de abraçar e beijar aquele menino/menina com quem tanto se sonha.

Sim, Minas está também nos namoros e nos choros que eles produzem...

Já se banhou num lago em dia de chuva fina e chorou de amor na cabeceira de um rio? Ou quem sabe... Já correu no temporal e chorou de amor à beira mar? Suas lágrimas foram para Minas.

Chove e, em cada gota, Minas é mais Minas. Da janela se vê folhas escorrerem sua alegria.

Oh! Que lindo girassol no florista de minha metrópole ensolarada... Foi regado com amor.

Minas está no sol e na chuva, no sol e na lua – está no encontro dos dois. Está em tudo que é vida e vida – para quem a vive intensamente – cheira a sonho, como o pão de queijo quentinho da vovó, como almofadas macias que embalam meu sono.

Sonhei que uma borboleta piscava para mim de noite. Estou certa de ter visto uma beliscar os primeiros raios de sol. Borboleta, borboleta... Borboleta que vai e volta... Será a mesma? Eu sabia! Minas está nela e sonhos não terminam de manhã.

Ana Helena Ribeiro Tavares

(Entre 13 e 15 de Dezembro de 2008, este texto foi escrito à mão num lugar cheirando à Minas)

Ana Helena Tavares
Enviado por Ana Helena Tavares em 15/12/2008
Código do texto: T1337290