Pronome Reflexivo

Amanheceu. O ela acordou incógnita. Chegou transparente à janela, ergueu a mão buscando uma gota, uma lágrima, num ciclo. Estava seco lá fora e dentro de si. Fazia-se brotar, como quem aduba a terra exigindo-a vida. Germinava no espelho, nua e úmida. Vazia, mas com um ele nos dedos.

Fechou a janela numa tentativa de inibir seus pensamentos. Não tão castos, não tão impuros, apenas femininos. Sentou-se na cama, aliviada. Olhou os dedos. O viu. Era um ele inanimado, imaginativo que lhe abria as entranhas. Sonho. Ela era toda pulsante: coração e útero. Por vezes, ela foi gemido, mas ali, na cama, era somente suspiro. O suspiro de um ele sem nome, apenas um ele.

Devo dizer que o ela era, fisicamente, pequeno. Intensa. Os cabelos em cachos chamavam a atenção – era uma normalidade incomum. Ela era de uma morfologia habitual, mas tinha um quê de misterioso e natural. Era toda pequena, do seio ao útero, era ela e por si bastava.

Já a terceira pessoa era natural de uma multidão que lhe cabia em palavras, no espaço de uma estrofe, comprimidos num verso. Singular, plural, incontestável e inúmero. Era o quarto de si, sereno, altivo, contemplativo e desconcertante.

Era só um quinto, mas grande porção que lhe fazia sentir completa, ali. Por tempo indeterminado, talvez por um instante que já tenha passado ou acontecerá. Nascia do seu ela uma amizade intensa pelo ele. A intensidade que dura um instante, mantém-se por um segundo viva e morre, para depois repetir-se.

Caiu-se na cama, frágil, sonolenta. Orgásmica. Olhos as mãos e sorriu. Ela havia descoberto um ele que era maravilhoso. O ele era um si.