((( O Vampiro Urbano )))

Mudo. E caminhando mais um pouco. Figuras lancinantes povoam o caminho. E essa imensidão azul, não seria? Noite morna e insípida, fogo e gelo trocando temperaturas. Descansa, nesse branco macio e paliativo. Lufadas de ar inflando pulmões, um corado instantâneo, um salivar amargo, um vermelho sem ser sangue. Mais um pouco e chegará ao alto da colina coletiva de janelas. De lá pode ver tudo. Como aquele que tudo vê, mas tão pouco se comunica. Que tem todos os segredos sepultados na tumba solitária da conivência. Fria indiferença. Como se num mitigar de palavras, o azul cedesse à noite. Um preto-azul quase cristalino. Um luar de sonhos brancos, sem trevas. As mãos tremem, não se pode transpor um muro tão alto de sandices. Não se pode ignorar o dever, nem dormir, desejar, beber ou falar além da conta, a imposição já faz parte do azul de todo o dia. Aperta o passo. Estaca, diante do sinal vermelho. Está a pé, mas decide parar. Tal qual um condutor prudente. Um condutor de conjecturas, de pensamentos, que lhe doem, que lhe invadem os hemisférios congestionados, a transitar por um cerebêlo sinuoso. Sim, engarrafamento de idéias, sinfonia de buzinas, a lhe pedir passagem, brecha, fuga. E que aquele sinal jamais se abra, que seus pensamentos fiquem imóveis, como veículos em pane seca, que aquele vermelho lhe pigmente a pele, aquecendo-o, aplacando a palidêz de seus transeuntes, teimosos a ambular por suas ruas, agora para sempre vermelhas. Chega. Chave. Cigarro. Água. Cama. Pega na caixinha, toma dois. Se não, mais um. Nem assim sono. E o azul, abrupto, petulante, alaranjado, queima tudo. Cinzas. Dia. Mudo.