Só mais uma

Olho para a chuva que cai,

Cada gota um olho espectral

Sento-me na beira do cais

Sou só mais uma em potencial.

Como pode o carisma anormal

Considerar-se especial?

Salubre pensar dessa maneira

Quando me entorno pelas beiras,

Procurando o pedaço

Que outrora me compunha inteira.

Queria persuadir-me a despertar a ira,

A rasgar essa cínica e dura compostura,

Com a qual me comporto todo dia

Como se fosse porcelana e formosura,

Quando me defino como dualidade arredia.

Sou metáfora de frio inferno,

Tenho pouco tempo a oferecer

Não me satisfaço com desejos insanos

E a mim mesma causo os danos

- cicatrizes convulsas, ferimentos internos –

que me esburacam o sangue

e deixam essa fresta onde só a treva queima,

como uma vela velha e negra feita de panos.

Quisera derramar com violência

Essa bomba nuclear que é meu coração...

A despeito de tudo, sou nada,

Sei disso sem ter que fazer oração,

E recorrer a alguma causa despropositada.

Prefiro os cínicos aos de alma acabada.

Prefiro os céticos aos que não tem ambição de nada.

Soa cruel? Assim o sou.

Côo a vingança e nela deposito

E nela concluo a luta

do que resta da esperança

De abrir minha alma com todo o zelo de uma prostituta.

As gotas da chuva? Estas sempre vêm, sempre vão...

Seu fim? Todas se estilhaçam no chão.

Em suma, sou só mais uma.

Scarllet Souza
Enviado por Scarllet Souza em 09/05/2006
Reeditado em 09/05/2006
Código do texto: T153265