Um dos relatos mais antigos do mundo

As ramas são as raízes do ar. Tal como o pássaro passeia até a ponta mais fina da rama, até aquele galho lá estreitinho que nem folha tem, assim hoje caminhei eu pelas estradas galegas, das mais alargadas e populosas até as pequenininhas que rematam no extremo de um vilar de quatro ou cinco casas, serpenteado pelo único caminho que leva até o último portal.

Atrás do portal, uma eira de erva verde, uma cereijeira enorme plantada no seu dia por uma criança que hoje é avô, uma casa de campo onde arrecendem as iguarias preparadas para uma das grandes artes galegas: a resistência no almoço. Entradas, primeiros pratos, segundos pratos, talvez terceiros pratos, sobremesas variadas, frutas, cafés em abundância de quantidade e de tempo. Ouvem-se os risos dos comensais misturados com o barulho dos grilos lá fora nos campos. O Sol bate certo e a sombra do almoço é nutritiva como água da fonte fresca.

A longa tarde de quase verão faz-se ainda mais longa, pesa sobre o ar apagado e quente, entanto no meio da conversa alguém de avançada idade dá a notícia: a festa do seu oitenta aniversário, no próximo ano, será a maior festa nunca vista no lugar e lembrada por muito tempo depois!

É o vilar de quatro casas, sinuosa rama e raizeira do tronco extenso da Terra, fundo do labirinto natural habitado por esses duendes estranhos, grandes comedores, melhores contadores de histórias, ainda melhores humoristas, cheios de problemas de marcos e veigas, ferrados, quartilhos, medidas trapaceiras, maus entendidos, retornados da emigração, de passados sem teito e presentes sem arados, as horas dos domingos marcadas com as agulhas do rosário, amáveis e bondosos e também grisalhos, mornos e interesseiros, atentos ao cuidado das suas cousas e das dos outros, que também são de cuidado.

Por entre os salgueiros do rio e os sabugueiros do caminho vê-se o fumo subir de uma das quatro casas. No interior, bem arrumado e vivo, um dos relatos mais antigos do mundo: os galegos.