Os Mil martírios de Sebastião (2)

S. S. escrevia cartas sem saber a quem. Escrevia poemas sem saber de quem: dele não era. Mas era por suas mão que se fazia, o que dava a ele um certo posicionamento divino, espiritual. Cantava músicas infantis e atraía o olhar das crianças na rua - e ao atrair-lhes o olhar era que ocorria a repulsa delas por ele.

Nunca ficava o dia todo em casa, gostava dos dias de sol e do parquinho ao lado da igreja da cidade. Todas as manhãs acordava e tomava leite com água e café, para economizar, e o pão com pão, como dizia seu pai aos filhos quando protestavam pela falta de manteiga: Pão com pão, tudo que um macho precisa.

Limpava a mesa da cozinha, arrumava o jarro de água e saía limpando os dentes com a língua.

Ajoelhava no oratório da igrejinha e ao olhar para os olhos de Maria ficava com pena da cobra debaixo dos pés dela. A personificação feminina: olhos amorosos e nenhuma dor nos pés, nem importava se o que seu pé pisasse era o capeta.

O diabo não trata com as mulheres porque elas vendem a alma e não entregam, ou entregam mas tomam de volta depois. Ele ama as mulheres porque sabe que a dissimulação delas é culpa de coração mole, pois sempre têm que voltar atrás porque o amor é amigo da inocência e ambas levam a pessoa a seguir pro lado que não deve.

Ele olha para as velas acesas no altar e duvida que elas iluminem a vida de alguém. Nem dos pecadores nem dos santos, malemá da igreja, que tem dinheiro para pagar a conta de luz. Talvez seja pra fazer os devotos associarem a pobreza deles, que os fazia precisar de velas todas as noites, à igreja e a necessidade de rezar mais, mais, mais e mais. E salvos, não precisariam de luz, nem do dinheiro pra pagar a luz. Ajudariam no dízimo, para pagar a conta de luz da igreja, que não precisa de luz porque tem velas. O dinheiro sobra e... compra-se castiçais de ouro. Mas ele não os rouba porque é pecado.

Com mais paz no coração saía para a praça tomar sorvete. Paga sorvetes para as crianças que tem coragem de se aproximar para pedir e fica até as dez e meia, que é o momento que a manhã fica mais linda. Também neste horário o sangue fica mais bonito.

Ao voltar para a casa trazia flores para o jarro da cozinha