Desejo e Reparação

A melhor forma de esquecer o último amor é rasgar as fotos antigas, apagar as músicas divididas, esquecer os planos traçados, as aventuras ainda não vividas e os atritos ainda não materializados. A melhor forma de esquecer o último amor é livrar-se dele o quanto antes, queimá-lo, carbonizá-lo, triturá-lo como coisa ruim e prescindível que agora se tornou.

A melhor forma de se livrar do último amor é arrancando pelas raízes tudo que sobrou dele. Destruir cada idéia plantada, cada carinho cultivado, a confiança em vão semeada e cada ingratidão colhida por fim. O melhor jeito de esquecer o último amor é arrasando a terra, queimando o solo e preparando o terreno para a próxima estação.

Se o último amor foi ruim, decerto que o mal não está em você. Cada coração que cativas com seus gestos banais e seus ideais empoeirados tem a opção de aceitar ou não o seu amor. Alguns, tão tolos, o recusam prontamente, como se o mal estivesse em amar. Outros se fingem aceitar, dissimulam um carinho e uma aceitação de que não são capazes e pervertem o coração do homem bom em um lodaçal cheio de ódio.

O amor que faz isso certamente não é amor. Chame do jeito que quiser, mas não o intitule “amor”. O amor às avessas que mente, engana, que se diz eterno mas só dura uma noite, o amor que esconde as dores e machuca com banalidades, ah, esse não se pode chamar amor.

Para ser amor tem de ser embriaguez. Tem de se perder numa devassidão plena de silêncio, e sem palavra alguma, declarar constantemente sua fidelidade, porque o amor de verdade é fiel não ao compromisso que proclamou, mas ao sentimento que de fato emudeceu sua eloqüência.

Se o amor não deu certo, o problema não está no amor. O amor é bom. É bom amar e sentir-se amado, não somente quando o mundo desaba, mas quando o dia sem graça se alegra com a leveza do amor. O amor de verdade é leve, e por mais que a paixão o amedronte com sua intensidade, ele a sustenta, porque no amor cabem todas as coisas desmedidas. E tudo que há de intenso e insano dança uma dança compassada e bonita, se é que é amor de verdade.

Aos que enganam (a si mesmos ou ao outro) e fingem que á amor o que de fato é desejo, lhes sugiro a reparação. Talvez o tempo não lhe condescenda conserto, mas que tentem remendar o coração de meus amigos, tentem perdoar a preocupação de minhas comparsas, perdoem nosso famigerado destempero e se percam em amores maiores que si – como aquele constante que mantenho em mim.

(Aos mais austeros, me perdoem a pieguice das palavras. Perdoem a mim pela minha falta de apuro formal e eu prometo perdoá-los por negar que o genuíno amor é, inegavelmente, piegas.)