Enigma

Havia naquela criatura a capacidade anormal, inconfundível e inegável da maldade além do concebível do ser.

Seria preciso mais que livros e teorias para enquadrar a coisa que foi, mais que finas fatias fantásticas que faziam dele, o ser.

O próprio ser esquartejava-se até não saber mais se recolher numa coisa única. O grande feito daquela criatura foi o de enganar a todos, incluindo ela mesma, a criatura indecifrável.

Aquilo que juraram não ser o ser, era a exata criatura. Assustou a todos por um tempo, mas assustou a si mesmo, o ser de luz e trevas e sombras e raios cerebrais; recolheu-se em ais. Ais de dores e horrores e amores...

A primeira reação que causava era a de asco profundo, como demônio fosse e exalasse odores de enxofre. Lusco-fusco, o ser, a criatura... Aqueles que possuíam a terceira visão, esperaram o ar desanuviar-se, pois sabiam que ali residia matéria plural para especulações... Mas o ser queimava a todos com suas longas labaredas azuis. Medusa apocalíptica, elíptica, emanava ondas da apropriação justificadas aos que tinha ouvidos e escutavam. No que se justificava tal equação do absurdo? A plateia, ciente da mitológica explanação continuava naquele teatro gutural. Havia ali o resultado errático, mas justificado da equação: ser, mais criatura, igual a plateia dos horrores.

Que seria da criatura se não fossem os criadores? A temática mais sofisticada e menos aceita era que a criatura não foi uma geração espontânea. Em algum momento da criação, os criadores, num lapso do tempo e talvez, num desalinho cósmico, permitiram um alinhamento extraordinário de cometas e cometeram a loucura da inseminação in vitro de restos químicos resultantes no ser. E o que fazer dele? Abandonar? Destruir? Acalentar? Cada um fez o que considerou ético. Na elite de mentes dementes, a criatura traz em si a marca do que pode reinar sobre os que não veem, não escutam, mas, sobretudo, sobre os que ignoram a criatura.

Talvez, e bem provavelmente não seja realmente isto, o ser cresça proporcionalmente a sua ignorância, que seria então, o alimento que o faz gerar mais e mais labaredas azuis. Pobres coitados daqueles que ignoram a criatura. Pois a criatura é e já não é mais, está e já não está mais, precisa e já não precisa mais, porém, na sua expansão engole a plateia, e no seu recuo, regurgita os que creem nela e digere aqueles que ousam descrer. A saída para o enigma? Não há conhecimento real. Salvação? Fé, daquelas fanáticas!