Uma brecha
Aqui, bem perto, há uma casa
de muitos moradores.
E quase todos acordam cedo,
pra trabalhar...
Uns despertam com um sorriso
de bom humor,
distribuindo abraços.
Outros, irritados, só acordam
quando são forçados.
Outros ficam só mais um pouquinho
embalados pelos sono.
E, há uma criança tão nova
que ainda não precisa escolher
em que mundo irá viver.
Por toda noite andaram submersos
em dimensões desconhecidas.
E o silêncio manteve-os
em compartimentos isolados
de olhos bem fechados.
Agora, reencontram-se, repetindo
familiares gestos e frases...
Procurando se convencer
da urgência do sobreviver.
Nessa casa, de vários moradores,
todos parecem muito ocupados.
E, reencontram-se pela manhã
só para confirmar um sentimento
tão breve e passageiro...
um compromisso com o seu destino.
Pacto solene e implícito em cada gesto.
Durante o dia, separam-se
para viverem suas vidas programadas.
E, caso se comuniquem é somente
para se dizerem um "alô, estou aqui"
Depois, retomam seus papéis.
Á noite, retornam à casa...
Tão cansados, que mal se reconhecem.
Cheios de repetidas experiências
que tentam trocar entre si...
Mas, já preocupados com o dia seguinte.
No corredor, a babá despede-se, apressada.
E a mãe corre ao berço da criança,
tão delicado e tenro botão, que sorri.
Todos se aproximam para ver o quanto cresceu.
distribuindo-lhe agrados e mimos,
esquecidos momentâneamente de si.
Até que, embalada pelo sono,a criança adormece...
Pé ante pé, todos retornam ao seu mundo.
E, assim, quando a noite cai,
novamente acertam seus despertadores.
Uma linda família,que sobrevive em conjunto.
Reune-se mais tempo nos finais de semana
ou nas férias que sempre parecem tão distantes.
Mas os planos, são os mesmos...
Sempre para um amanhã,que um dia chegará.
Ao menos estão pagando a casa própria.
Vivendo melhor do que muita gente por aí.
Só não conseguiram talvez, pegar uma carona
naquele vento que vem de surpresa
trazendo histórias de outras paragens.
E, imagino, se de repente, por uma brecha
não deixariam entrar imagens de rios desconhecidos,
catedrais de imponente beleza...
ou deslumbrantes paisagens...do outro lado do mundo.
Ou,quem sabe,o impulso de caminhar em peregrinação,
libertos de tudo...
Só divago sobre a possibilidade...de cada um deles
ter seu particular e louco delirio
além daquele, tão sensato e tão legítimo...
da casa própria.