Doces Lembranças
Olhando para o horizonte, onde parece que o céu encontra
o mar,coração sossegado,a cabeça vazia,alma leve,pousa-me
no braço de mansinho uma borboleta,dessas comuns,laranja
com manchas pretas. A cabeça que estava em
repouso,imediatamente foi buscar na caixinha de
lembranças,aquelas bem guardadas na memória e que as vezes
Basta um simples piscar de olhos e ali estão elas ,vivas e
fortes.
Com essa pequena borboleta, por alguns segundos pousada em
mim,voltei a viver alguns anos atrás. Quantos eu poderia
Ter? Cinco, seis sete,talvez.
O que me recordo vem com muita nitidez.Sempre fui fascinada
por esses pequenos insetos ,todas as oportunidades que tive
em participar de dinâmicas,que pediam para escolhermos um
bicho,eu as escolhi.São presenças marcantes da minha
primeira infância.
Nessa época morávamos na minha pacata cidade natal, interior
de São Paulo. Do pouco que me lembro, as borboletas ficaram
eternizadas.Tínhamos uma casa pequena ,bem simples. No
mesmo quarteirão ,duas a três casas acima ,morava minha
tiazinha querida,minha segunda mãe,costureira oficial da
família,tia Crê,assim a chamávamos.Pois bem,ela
mesma,lembro-me,fazia para mim um saco de boca larga,"caça
borboletas",tipo coador antigo de café, de filó
transparente,pano cheio de furinhos igual aos usados para
Cortinado de berço de bebê. Incrível! Eu tão pequena, saía
pelas redondezas lá de casa atrás das minhas "presas".Era
fácil apanhá-las e, cada caçada,uma festa.
Aqui abro parênteses e agradeço por ter vivido neste tempo
tranqüilo,mundo ainda possível de crianças soltas nas ruas
atrás de borboletas. Será que hoje alguma de nossas
crianças"robotizadas",já tiveram oportunidade de observar
o lindo bailado desses bichinhos?A beleza de suas asas? Já
saíram para caçá-las?? Será?
Como eu escrevia... Sempre que as apanhava era uma
festa.Eram das mais variadas espécies:amarelas de manchas
brancas,marrom claras de bolinhas amarelas,pretas de
manchas vermelhas,laranjas de bolas e manchas pretas,havia
também as azuis aveludadas.Ah! Estas eram especiais, me
fascinavam. Lindas todas elas! Pobrezinhas das
bichinhas,em sendo apanhadas eu as levava para
casa,segurando forte a boca do "saco" para que elas não
escapassem. Colocava-as "nocaute"(tenho a impressão que era
com um pouquinho de álcool),abria bem suas asas e espetava
um alfinete na cabeça da indefesa criatura.
Não me recordo se alguém me ajudava, mas acredito que
sozinha não daria conta de tal "operação".Posto isto, para
completar o "delito",as coitadas,com o alfinete espetado na
cabeça ,iam parar em um mural de veludo que enfeitava a
parede do quarto,meu e de minha irmã.Ficavam todas
enfileiradas.Aqui uma interrogação. Nos idos anos cinqüenta
as crianças que viviam no interior,brincavam de caçar
borboletas e depois ainda enfeitavam suas casa com
as "defuntinhas"? Estranho... Ou Não????
Vem agora à memória uma bandejinha que minha mãe tinha ou
tem(vou procurar saber),a qual me fascinava e eu ficava
horas observando, presas sobre o vidro lindas asas
coloridas ali bem esticadinhas.As borboletas encantavam por
si sós; recebiam as xícaras de café quente e elas ali
brilhantes.
Para fechar essas minhas recordações, fui pesquisar o
nome científico deste tipo de inseto, "Eueidi aliphera",as
azuis aveludadas,prediletas da minha coleção.Insetos
estranhos as borboletas ,seres frágeis que vivem por pouco
tempo sozinhos em seus casulos,quietos,fechados e, aos
poucos,se transformam nessas encantadoras criaturas de vida
curta,assim como é este período da infância...
As recordações chegam agora mais fortes, trazendo não só a
falta deste tempo mágico,como também,das pessoas que
fizeram e fazem parte da minha vida. Algumas me acompanham
ainda,outras que já se foram "batendo suas asas
reluzentes",deixaram comigo ensinamentos significativos,de
importância imensurável para meu crescimento.
Encerro aqui com saudade eterna, como eterno será para mim o
encanto das borboletas.