É COMPLICADO AMAR UM POETA...

Tenho-me feito essa pergunta muitas vezes ultimamente. Para fixá-la em minha memória, como se fixa um pedaço de papel num mural: seria complicado amar uma pessoa que ama poesias, que vive, sonha, imagina e as tem no coração noite e dia? E quando à noite fecha os olhos para dormir é como se elas continuassem a lhe zumbir nos ouvidos? E de manhã cedinho ao acordar, as tem prontinhas, loucas para escapar de sua memória e correrem para o papel...? Ah, deve ser bem difícil, reconheço... deve ser algo tão complicado quanto uma equação para quem não gosta de matemática, assim como é difícil para um roqueiro ouvir funk... e por aí afora vai. Como uma pessoa leiga em medicina poderá compreender uma receita médica? (ah, os rabiscos dos médicos...)? Como um ciumento pode ter a percepção de entender que aqueles versos falando de amor escritos pela pessoa amada, não foram feitos para ele...? Por outro lado, como fazê-lo entender que não foram escritos para alguém em especial? Que foram escritos – assim como são todos os poemas – para o tudo, para o nada, para o mundo, para o vento, para quem quiser, para quem ama, para quem é sensível, para quem quiser dá-lo de presente à pessoa amada para lhe mostrar o quanto a ama...? Como, digam-me, como? Como fazer alguém entender – ainda que esse alguém seja a pessoa que dorme com você, que amanhece ao seu lado todos os dias na mesma cama – a desenvolver um mínimo de sensibilidade para perceber o quanto a poesia é importante para você, o quanto ela está entranhada em você, em seu corpo, em sua mente, em seu sangue...? Não... acho que é impossível. Não gosto de usar essa palavra, impossível... mas nesse caso não vejo outra, não me ocorre... nem vai me ocorrer nos próximos cem anos, tenho certeza disso! Quem ama um poeta talvez jamais entenda suas imaginárias viagens ao seu mundo interior, em busca, talvez, de uma palavra que falta para um bebê-poema que acaba de conceber. Porque, lá no fundo, ele sabe que o que o seu amor-poeta deseja ele jamais poderá lhe dar. Porque não é dinheiro, carros importados, festas, jantares em restaurantes ou jóias. É paz, é tranqüilidade. É que ele seja sensível o suficiente para perceber seu silêncio, seus momentos de fuga, quando deseja ficar sozinho consigo mesmo para dar à luz a uma nova poesia, que, teimosa, insiste em nascer de parto prematuro no meio da noite. E o poeta se levanta para pari-la e lhe dedicar os primeiros cuidados – ainda que lá na cama quem lhe ama fique se roendo de raiva e ciúmes ao ver nascer mais um com quem terá que dividir seu amor. Dividir... essa é a palavra que o poeta não consegue entender. Porque para ele não há divisão. Só multiplicação e adição. De amor, de poesias soltas pelo mundo afora – filhos que nascem e logo partem, e vagam dispersos por esse mundo, mas que jamais serão esquecidos porque brotaram do fundo de sua alma poeta, assim como todos os outros. Quem ama um poeta sofre. Sofre porque queria ser poeta também para penetrar no imaginário mundo do ser amado. Mas, esse dom nasce em cada ser, não é construído como paredes de tijolos, por força das circunstâncias. Sofre se não conseguir entender que seu amado ou amada é alguém diferente dele – e aprender a respeitar, amar e sentir orgulho dessa diferença, por mais que lhe doa, no início, reconhecer esse fato vital...