Os estranhos do nevoeiro: a chegada da névoa

(...) Então, houve um tempo bizarro em que esqueceu-se de si mesma. Quem era ela; ou melhor: o que era ser ela. As coisas mais «banais» lhe pareciam estranhas e distorcidas. O «simples» se esticava e se contorcia como uma criatura agonizante. As formas encurvavam-se em espiral, encolhendo até sumir. Tudo era assim, torcido. Perguntava-se se estava doente. As vezes tinha até certeza. Não era possível! Com tantas cidades grandes e seus administradores e faculdades e pessoas de terno cinza e vida cinza, dessas que você pensa – “esses são mesmo «sérios»”; como poderia ela estar pensando em coisas tão pouco práticas? Devia ser louca mesmo.

Mas saber disso não adiantava muita coisa. Ainda restava aquela «doença» estranha (tá, não era mesmo uma doença no sentido exato... mas ela achava isso). Mesmo assim, estar naquele «nevoeiro» era necessário, pois sem este sacrifício ela não podia mais compreender nada. Para fazer qualquer coisa, auto exigia-se primeiro uma justificativa... mas era digno de pena o jeito com que procurava essa justificativa – sempre estava tateando em vão, de volta ao não-saber do nevoeiro. Novamente o nevoeiro. Ela via essa bruma, sempre que procurava um porquê.

Por isso, talvez, nesse tempo já não sabia mais como «ser». E era humilhada pelas pessoas que diziam sabê-lo (os sérios). Não conseguia ser nada, a coitada, porque era uma espécie de náufrago, perdida em mares por ela própria inventados. O problema, é que não podia parar de inventar mares... No seu íntimo, tinha medo mesmo de não ser nada. Sabia disso: não gostava do nada. Então criava, e não acabava nunca de criar. As criações, então, começaram a flutuar a volta dela; estavam em todo lugar, e também dentro dos seus olhos, e eram todas lindas e perfeitas. Dir-se-ia que muitas dessas criaturas teriam «evaporado» dentro dela, gerando mais névoa.

Mas ainda desafiava-se: queria aprender a ser. E de repente, pensava: posso ser isso mesmo, «alguém que aprende a ser»? Não... não seria justo ser só isso, apesar de que já era um resposta. Podia-se ver a «manhã» em meio ao nevoeiro.