O AMOR

O amor, sublime amor, Santo Graal de nossa eterna escavação, tem me arrastado por desertos, cordilheiras... Mas, às vezes, me traz tobogãns de arco-íris. E eu, louca bailarina, me lanço. Salto solta e cega deslizo. Sou agora o alvo feliz de um lançador de facas de circo. O amor me faz descobrir o meu Egito, aterrado de segredos e relíquias, e comanda a ignição dos meus pés, já não mais plantados num cais abandonado. Resgata o meu olhar da procura no infinito e me deixa encantada com risadinhas de anjos que dei para escutar num céu cor-de-rosa, com nuvens perfumadas, onde danço, flutuo e rio só, sem nenhum motivo. Sem me importar se é de vidro e pode deixar minha atmosfera em cacos, peito estraçalhado, levo determinada na mão direita essa rosa, e no peito a primavera, onde antes uma geleira estancava o meu sangue.

O amor com sua luz ofuscante e imantada chicoteou minhas asas inibidas a vida inteira, me ensinou a voar. Vôos automáticos, involuntários... Eternos vôos, incontroláveis, que levaram minha alma para recônditos mansos e suaves, longe do meu corpo seco de espera roxo.

Com promessas de vida, de sensações loucas, só ele ainda me faz rodopiar com sua (e)terna doce sinfonia. Como se eu fosse aquela bailarina de uma caixinha de música. Todo dia peço a Deus que permita essa luz acesa em mim. Ando como se realizasse uma procissão diária, solitária, onde levo um andor com a escultura metafórica desse meu sentimento profano e santo que é para mim esse amor.

Encantado ele, eu encantável, sujeita aos seus arrebates, logo me esqueço da dor ferindo fundo dentro do osso daquele outro amor, hoje esfacelado, morto. A outra tentativa que não deu em nada. Só me deserdou de ânimo a anima. Espreito, então, novamente essa cacimba atraente, queimo minha retina nessa maravilha de luz, e me deixo cegar, sem perceber a aventura de Indiana Jones que me espera. A corda bamba entre o agreste em que estou e o eldorado onde está ele e a fonte cristalina arremessando jatos d"água refrescante em minha sede... Tudo dele me convida a arriscar e eu vou sem medir.

Já nem lembro mais quantas vezes o abismo, a queda, quebra de minha estrutura, passes mal calculados, minha vencida envergadura. Só consigo pensar no teu corpo. Tuas coxas nuas, onde minhas mãos de fêmina lisas vão poder ler em brile a sua textura doce de pele, e depois percorrer devagar o teu solo e me aninhar em teu colo e deixar que você veleje em mim, com tua boca desesperada, repleta de beijos, até alcançar as minhas colinas ávidas, pálidas, há muito desabitadas prestes à ruína. Onde, novamente, posso ver se reerguer um castelo à sua espera, rei que vem chegando em seu cavalo para se apossar do meu corpo. E eu me perco nas ruas douradas de minha imaginação, sonhando com o teu sexo me mirando, apontado para mim, esperando o momento certo de engolir e devorar minhas entranhas camufladas de prazer e de sonho. Eu tenho o cálice que você precisa para derramar o teu sumo que o meu corpo vai sorver. Eu tenho o elo que você procura. Tenho até o par do sapatinho que perdi quando te vi e fugi correndo, bobinha, amedrontada. Mas o amor, mais ligeiro, me esperou na porta de casa e me rasgou inteira, me esfaquiou com suas lâminas amoladas e tatuou completamente os meus olhos com tuas imagens impregnadas de beleza sedutora máscula.

E mesmo, com toda essa noite, esse amor me faz ver uma luz fulgurante em plena rua suja, infestada de mazelas, às 10 da noite. Ando pela Itararé, escutando pianos, clarins e os tiros da Grota ameaçando moradores. Mas meu coração arcoirizado desenha em meu rosto um sorriso iluminado de quem encontrou o Graal que todo mundo procura e precisa. Tudo está tomado de favelas, tudo está derrotado no bairro de Bonsucesso. Mas vejo boganvilles por sobre os muros e a luz derramada em todas as calçadas que piso.

Ando feito Michael Jackson cantando Billie Jean.

Sinto que muitos me espreitam, desconfiam, sabem que eu ando me banhando em alguma fonte de águas coloridas, cristalinas. Mas... armo os meus passos na direção da minha sorte, sabendo que o nosso leito se prepara com suas sedas onde mais cedo ou mais tarde cairemos, indiferentes às dores e mazelas do mundo. Porque o amor nos escolheu, nos laçou e nos lançou pr'além. Além das leis que estão acima de nós dois. Embora me doa saber que não posso arrastar o planeta comigo, insisto, prossigo no meu itinerário egoísta para cumprir o meu destino de fêmina e me submeter às suas carícias selvagens me rasgando.

E, se isso não for mais um arrebate falso, acho que a felicidade, certamente, vai me invadir com sua língua de fogo e raspar todas as mazelas do meu peito, como a lixa que remove a corrosão do ferro.

Este é e será o meu momento. O resto, que eu nem quero saber, se chama depois.