CANTIGAS DE RODA
 
Céu de primavera, cigarras cantando, flores se abrindo,
mormaço da tarde, preguiça de sexta,
grama macia, sombra fresca ...

Me jogo na horizontal, me ponho de pernas para o ar.
Fico ali entorpecido, espreguiçando ao céu,
apreciando um rebanho de nuvens
desfilando pelo azul de infinita beleza,

numa metamorfose tresloucada e deslumbrante.
Nisto, uma nuvenzinha miúda, espevitada e faceira
passa bem na mira de meus olhos e com um sorriso brejeiro,
vai exibindo seu show: carneirinho saltitante,
coelhinho arisco, gaivota a voar...

enfim, todas as formas que lhe conviessem.
Arrebatado, vou-me contagiando com aquela magia...
Então, me vejo criança em recreio escolar...
Coloco-me nas nuvens, entro na roda.
Sou menino-nuvem a brincar e a correr na etérea imaginação...
Pega-pega, esconde-esconde, Cantigas de roda...
 
“Fui no céu agora beber água não achei,
achei foi uma nuvem que no céu eu deixei.
Ó nuvenzinha, ó nuvenzinha entra nesta roda
ou ficará sozinha.

Sozinha eu não fico, não posso ficar, pois tenho você para me olhar”.
 
“Neste céu, neste céu existem nuvens, que se chamam, que se chamam ilusão. Dentro delas, dentro delas tem magia, que roubou, que roubou meu coração”.
 
 “Ó nuvem, nuvenzinha vamos todos nuvenzar,
vamos dar uma voltinha, pra poder te namorar”.
 
“O anel que tu me deste era vidro e se quebrou,
o amor que tu me deste era nuvem e evaporou”.
 
“A nuvem brigou com o sol, debaixo de um céu de anil,
a nuvem se evaporou e o sol nem se incomodou”.
 
“Boi, boi, boi, boi da cara preta,
pega a nuvenzinha que tem medo de careta....”
 
Mas aí então, surgiu uma enorme nuvem  escura,

em forma de boi, monstruosa, mal-humorada.
Foi se aproximando e com sua boca faminta
ia devorando as nuvens que encontrava pela frente.
A pobre da nuvenzinha miúda, desavisada, desvalida
tenta fugir, mas o monstro foi crescendo pra cima dela.
A coitadinha foi sendo lentamente tragada,
 transformando-se em desespero:

carneirinho sem pernas; coelhinho sem cabeças;
gaivota sem asas ...

Até que foi totalmente devorada pelo enorme boi, 

que ainda não satisfeito, engoliu também o sol.  
A luz se fez treva, encobrindo a magia.
Eu me ponho no chão, desolado, encabulado.
Meio sem graça, coloco-me no prumo, busco meu rumo.
Mas eis que uma chuva miúda, mansa, molha meu rosto.
Eu olho para o céu e entendo, então:
Eram lágrimas de saudades que a nuvenzinha chorou.