Dias Frios de Descobrimento

(Ato Racional n° 23)

Era noite, a lua banhava o corpo dela por um pequeno vão de cortina aberta à janela. Sua luz como uma seta atravessava todo o quarto, espalhava-se sobre ela desvirginando a fina pele. Paralisada sua beleza entregava-se ao toque e as mãos pesadas encontravam conforto naquele corpo cansado e frágil. Trêmulo o corpo resfriava-se com o vento tardio e irreparável da noite.

Madrugada a fora estendia-se o romance; quando o corpo encontrou o corpo, entregou-se: as mãos deslizaram suaves sobre toda a silhueta, os pés roçaram-se firmes, as pernas entrelaçaram-se quentes. O corpo deslizava e os lábios encantavam-se; uma marcha rítmica envolveu os apaixonados.

Era tarde e os dois, juntos, envolviam-se. Os toques refinavam-se e o calor aumentava; nem mesmo o vento da janela aberta ou a suavidade lunar suportava o intenso amor que ali nascia.

Oculto sob as formas dela, ele se realizava. Vaidosa sobre o peito quente, ela se entregava.

Da forma nascia um movimento tático de prazer. Dos dois surgia uma maneira única de entregar.

Os corpos encurtavam-se e já amanhecia, o sol raiava e eles não dormiam; enraizaram-se aos lençóis de onde tiravam tanto sustento, sucumbiram-se no próprio gosto, amaram à própria forma, enriqueceram-se um do outro e entregaram-se vaidosos ao que queriam. Cederam a um desejo antigo. Demonstraram-se joviais. Envolveram-se ao som de toques baixos de violinos, romperam-se em suaves tentações e não tiveram receio em desvenda-las.

Amanheceia e ela, deitada ao corpo dele, dormia dócil, ele, ao corpo dela, se sentia fértil.

Confortados sentiram juntos enquanto dormiam o sol iluminar os seus rostos, banhados de raios solares por todo o corpo assim como banharam-se pela noite um do outro: sem medo.

Erguiam-se novamente, contentados, e entregavam-se às águas. No corpo corria a água quente, favorecida das peles juntas e rubras. A boca úmida escorregou por toda a pele e os dedos finos vagaram por todo o corpo. Sem relaxos os corpos se encontraram, sem malicia os lábios se beijaram e, maliciosos, os lados se tocaram. Dependentes de si próprios devoravam-se.

Envoltos aos seus corpos escorriam junto à água e a esquentavam. Passo a passo atravessaram toda a sala molhados, entardecia e não mais paravam. Depois deram de se confessar, de gritar que se amavam. Beijos, toques e intrigas. Entregavam-se aos próprios fatos, riam e cantavam-se, bebiam de si próprios e gostavam.

O sol se punha e juntos permaneciam. O dia ia e eles ficavam. Mais e mais entregavam, conheciam, e admiravam a si próprios. O faziam porque gostavam de fazer.

A lua surgia grande e pálida flutuando sobre a rua que sumia. Ela vinha e eles lá estavam.

As noites iam e vinham trazendo e levando o dia enquanto eles se amavam e se conheciam sob uma atmosfera branca de saudade morta, por desejos que se cumpriam nestes dias frios em que estavam, neste modo louco em que se consumiam.

No descobrimento ao qual se prestaram viveram, pois só assim viveriam!

Wilker Aziz