uma canção de mistério

“Que mistérios tem Clarice?”.

Eis o primeiro questionamento com o qual me deparo na página inicial dum livro que, diante de mim, se abre. Clarice é “marginal”, é “visceral”.

Nas suas palavras encontro o absurdos da verdade que a mim fazem sorrir.

Intrigo-me perante aos seus discursos; discursos, lineares(!?...) e conturbados buscando a essência do contar consciente a consciência pura.

Mas a exatidão metafórica de suas palavras fere a alma, conspira para a mentalização mais inerte de que a realidade é densa, oposta e sem-igual.

Um clarão se forma e vejo Clarice, claridade, clarividência por trás dos segredos mais ínfimos da criação.

Tudo é mistério... com certeza.

Mas esta mulher rasga o ventre das palavras e com elas encobre as camadas mais espessas do existir, devassando os atos propostos para a dimensão de ser do homem.

É a alma nua das verdades soterradas.

É o brilho turvo das gelatinosas mazelas oprimidas entre nossas mentes.

Mas é Clarice, a palavra chave, é o mistério canção para a revelação dos segredos mudos, dos sorrisos goros e das interrogações individualistas.

É a mistura heterogênea das razões sem sanções para pobres mortais, que constantemente se interpelam movidos pela insegurança dos passos.

É a válvula propulsora para a intriga própria de cada um. Clarice, em suas palavras, mostra-se inquieta, inquietando-nos.

Somos carentes de nós mesmos incertos e insanos, mas somos..., e Clarice metaforicamente exterioriza as congruências mais resguardadas do ser.

É a mulher- papel-escrito que divaga entre os seus e os nossos pensamentos. É a firmeza do punho deitado sobre as páginas, revelando-se e revelando-nos...

Num ato de questionamentos viris, viro a última página, fecho o livro e absorto, pergunto-me intrigado como antes:

“Que mistérios tem Clarice?”

Marco Carneiro
Enviado por Marco Carneiro em 28/10/2006
Reeditado em 28/10/2006
Código do texto: T276065