uma canção de mistério
“Que mistérios tem Clarice?”.
Eis o primeiro questionamento com o qual me deparo na página inicial dum livro que, diante de mim, se abre. Clarice é “marginal”, é “visceral”.
Nas suas palavras encontro o absurdos da verdade que a mim fazem sorrir.
Intrigo-me perante aos seus discursos; discursos, lineares(!?...) e conturbados buscando a essência do contar consciente a consciência pura.
Mas a exatidão metafórica de suas palavras fere a alma, conspira para a mentalização mais inerte de que a realidade é densa, oposta e sem-igual.
Um clarão se forma e vejo Clarice, claridade, clarividência por trás dos segredos mais ínfimos da criação.
Tudo é mistério... com certeza.
Mas esta mulher rasga o ventre das palavras e com elas encobre as camadas mais espessas do existir, devassando os atos propostos para a dimensão de ser do homem.
É a alma nua das verdades soterradas.
É o brilho turvo das gelatinosas mazelas oprimidas entre nossas mentes.
Mas é Clarice, a palavra chave, é o mistério canção para a revelação dos segredos mudos, dos sorrisos goros e das interrogações individualistas.
É a mistura heterogênea das razões sem sanções para pobres mortais, que constantemente se interpelam movidos pela insegurança dos passos.
É a válvula propulsora para a intriga própria de cada um. Clarice, em suas palavras, mostra-se inquieta, inquietando-nos.
Somos carentes de nós mesmos incertos e insanos, mas somos..., e Clarice metaforicamente exterioriza as congruências mais resguardadas do ser.
É a mulher- papel-escrito que divaga entre os seus e os nossos pensamentos. É a firmeza do punho deitado sobre as páginas, revelando-se e revelando-nos...
Num ato de questionamentos viris, viro a última página, fecho o livro e absorto, pergunto-me intrigado como antes:
“Que mistérios tem Clarice?”