ACRÔMICA
*"Imagem, vida última dos seres..."*
*[Fotopoema/Carlos Drummond]*
Levantou-se e foi até a moldura da janela espiar o fio do horizonte que mantinha toda imensidão de cores apartada de seu mundo escuro. Notou uma paisagem diferente, pardacenta. Não havia o azul do mar nem o dourado do sol. As pessoas passeavam pálidas e olhavam-na com ar de espanto e comoção.
Tornarau-se uma estranha. Não enxergava mais os antigos companheiros de janela, tão tristes quanto ela. Detectava, sim, uma vidraça a mais e um céu de menos. Onde era o mar, agora era enorme muro cheio de grades altíssimas, intransponíveis. Porém, no muro, havia uma assinatura cujas letras mantinham um aclive familiar.
Houve um tempo em que o autor da assinatura não estava ainda perdido para sempre. Houve o tempo de desaparecer sem deixar notícia. Houve o tempo de modificar a paisagem. Ela sobrevivera a todos os tempos.
Agora, restava-lhe apenas a memória, a moldura empoeirada [janela dela!] e a terna assinatura no muro de grades, onde antes havia mar.
Haverá sempre, dentro dessa moldura, uma lágrima translúcida escorrendo contra o vidro do quadro [mundo estranho e acrômico!] que ela insiste em habitar...