018 - O DIÁRIO DE UM BÊBADO...

A noite se fez estrelada e enluarada, na praça um Guarda de longe observa as estripulias de um Bêbado que não conseguia sentar em um banco, parecia que o banco girava pra longe a cada tentativa que fazia para se sentar.

Caiu antes do banco, caiu ao lado do banco, por fim de costas conseguiu cair lá no meio do canteiro de flores.

Deitado entre azaleias e roseiras, olhou para o céu minimamente salpicado de estrelas, pois o clarão da lua a tudo ofuscava, sentiu-se inspirado, tirou de um saco tão sujo quanto ele, uma agenda tão suja quanto ao saco, e se pós a poetar:

- As estrelas giram para a noite enfeitar, a lua gira para os corações se apaixonarem, a terra gira para toda nua ao sol se mostrar, o banco gira para que nele eu não consiga sentar, o guarda gira porque não tem o que fazer...

– Muito bem! Pode me explicar o que o senhor esta fazendo sentado aí sobre as flores?

– Seu Guarda, o senhor num vai acreditar, toda vez que tento nesse banco sentar ele gira pra outro lugar e eu acabo estatelando no chão, da última tentativa caí aqui no canteiro de flores!

– Saia daí! O Bêbado se aproximou do guarda e foi logo agarrando na perna do banco...

– Seu maldito agora você não me escapa.

O guarda curioso quis ver o que aquele Bêbado anotava em seu diário, foi lendo e pela expressão do seu rosto parecia que estava gostando, até que...

– Então seu engraçadinho o guarda gira porque não tem o que fazer? Nervoso rabiscou a parte que lhe fazia menção e acrescentou...

– O guarda gira para que todos respeitem a lei! O guarda gira para evitar que bêbados danifiquem o patrimônio público! O guarda gira para que haja paz entre as pessoas!! E escreveu mais algumas dezenas de atribuições do guarda e devolveu o diário ao Bêbado e vagarosamente foi girando pela praça...

O Bêbado girou os olhos pelos cantos não vendo o guarda, foi ler o que ele tinha escrito, e em nada gostando, irritado rasgou aquelas páginas e as atirou para o alto e que pelo ar girando foram cair nos pés do guarda que sorrateiramente tinha voltado...

– Muito bem! Atirando lixo no chão? Além de pingaiada é um porquinho! Vamos rápido, quero ver todos esses pedaços de papeis recolhidos e jogados naquela lixeira.

Com a presteza que seu corpo permitia o bêbado recolheu todos os papéis e se aproximou da lixeira, que era um cesto soldado em um cano de ferro, o bêbado se pós a girar em volta da lixeira, a cada tentativa de depositar o lixo parecia que esta girava para um outro lado driblando o infeliz... De longe o guarda falava de si para si...

- Queira ou não queira, preciso me aposentar não aguento mais esses malucos... Depois de inúmeras tentativas o bêbado conseguiu realizar o seu intento, e se aproximou novamente do guarda...

– Parece que a lixeira estava girando pra longe de você!!

– Exatamente, agora o senhor é minha testemunha! Quando eu digo que esse maldito banco gira para longe quando nele quero sentar ninguém acredita! Agora eu tenho uma autoridade como testemunha desse acontecimento...

- Vou ter que levar você para girar lá na carceragem!!

O Bêbado ajoelhando implorou para que não fosse preso, discorreu sobre as mazelas, decepções, acontecimentos tristes que ocorreram em sua vida, fatos estes que o levaram a essa situação e na sua face grossas lágrimas escorriam, cachoeiras em dia de chuvas, sem nada dizer o guarda pegou o diário do bêbado anotou mais algumas coisas, se levantou e sem olhar para o bêbado, não queria que ele visse os seus olhos marejados em lágrimas e foi saindo vagarosamente, o bêbado sinalizou que iria acompanhá-lo...

– Fique em paz com seu banco, não vou prender você...

Teve pena do Bêbado, também teve pena de si, por quais motivos? Nunca iremos saber. O Guarda foi girando pela praça, e pelos vãos dos giros desapareceu, o Bêbado girando os olhos para todos os lados se encorajou e foi ler o que o guarda escreveu...

Do alto da fronte duas fontes a derramar,

Esperanças perdidas a rolar,

No rosto de um morto a iluminar,

Uma lua assanhada quis dançar.

Chico Carabina!

- Poxa vida!! Nem sabia que esse guarda se chama Chico, nem sabia que ele é tão batuta na arte de poetar!! Mas não se deu por vencido e foi logo anotando no seu diário...

Aqui onde eu existo, eu não vivo!!

Lá onde eu vivo, eu não existo!!

Lados estranhos de uma mesma vida!

Aqui eu existo com a minha dor!

Lá eu vivo com o meu amor!!

E assinou zé pingaiada... Balançou a cabeça não gostando da assinatura, rabiscou e de novo escreveu... Senhor José Pingaiada...

Fechou o seu diário, do diário um travesseiro, do banco uma cama, estirou seu corpo, com os trapos de sempre se cobriu, com um cálido sorriso foi lentamente girando pra dentro de si, foi viver um momento de paz e ternura ao lado do seu amor!!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 04/03/2011
Reeditado em 27/08/2014
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