Todos Dormem

Acordo de madrugada para ver o sol no mar...

Que coisa espetacular!

Todos dormem...

Isto me leva a refletir, a pensar...

No momento em que o sol toca o mar tingindo-lhe com suas cores:

matizes de vermelho, púrpura, rosa, laranja e amarelo solar...

Que coisa espetacular!

Todos dormem...

Por que, diante talvez do mais belo momento do dia, todos dormem?

Da varanda, de onde vejo o mar, paro alguns instantes para analisar:

será a vida também assim? Um espetáculo que só algumas pessoas sabem apreciar?

Todos dormem...

Não! Esperem! Há alguém... Um carroceiro a recolher o lixo da noite anterior:

festivo feriado de Ano Novo. Comemorado por milhares, assistido por centenas, chorado por muitos...

Alguns comemoraram dormindo: seus corpos alertas, dispostos e, aparentemente, despertos,

mas suas mentes dormem, seus corações dormem, sua indignação dorme...

O carroceiro...

Recolhedor do lixo, ou do resto do luxo, de alguns que a cada dia torna-se o sustento de muitos.

Tão pobre... Tão rico!

Desce da carroça, junta algumas garrafas, o "esqueleto" de uma cadeira de praia e tem seu momento de riqueza:

para, ereto, atento, desperto e aprecia o espetáculo exclusivíssimo, de platéia restrita:

o nascer do sol no mar!

Que coisa espetacular!

Afaga a cabeça do seu cão vira-latas, fiel companheiro de jornada, e divide com ele o que pressinto ser... gratidão.

Gratidão?! Ele?

Sim, gratidão. Gratidão por estar vivo e desperto:

olhos e coração abertos!

Ele não necessita dos matizes de Monet dependurado em uma parede... (Monê, quem?!)

O pintor mais célebre e talentoso acaba de dedicar-lhe uma de suas mais belas obras:

o nascer do sol no mar...

Que coisa espetacular!