O MARAVILHOSO MUNDO DE EUSÉBIO

Eusébio lê o jornal. Eusébio lê, mas não vê.

Há olhos que vigiam a estrada e os carros que passam. Não são pessoas. Não têm nome. São olhos apenas. E, assim como os períodos do texto em curso, em pedaços e aos poucos, os olhos espreitam parte por parte. São olhos. E veem as cores dos carros: pretos e cinzas, cinzas e pretos. De quando em vez um azul ou verde ou amarelo. Predominantemente pretos e cinzas. E os olhos veem o cinza da estrada. No calor de 45ºC e a sensação térmica de 55ºC os olhos veem, também, as ondulações da estrada. O cheiro de combustível fóssil é forte. Petróleo. Faixas amarelas dividem caminhos. Traços. Faixas tracejadas que permitem a ultrapassagem em ambos os sentidos. Os olhos não bebem. Os olhos vêem. Não risco de alcoolismo nem de colisão. Os olhos que vigiam a estrada são os mesmos olhos que vigiam a cidade e as suas ruas. E cada passo dado ou palavra dita, os olhos vêem e gravam para que outros olhos vejam e gravem e repassem para mais olhos para que também vejam e, assim, o mundo inteiro saiba e entenda o que foi visto pela concepção do primeiro olho que viu.

E há olhos que vigiam a casa e os móveis que estão à volta. Não são pessoas. Não têm nome. São olhos apenas. E têm uma função: ver as coisas continuamente. E, assim como este parágrafo que se inicia, repete idéias do parágrafo anterior. Repete palavras. Retrabalha o que foi dito e diz aos outros que pensem e falem como o sugerido pela propaganda. Os olhos saem das fábricas e com fumaça e fuligem e vida útil determinada invadem camas e mesas e salas e quartos. Entre os corpos frios que figuram um amor quente os olhos indicam o tempo de prazer e os instrumentos necessários para alcançá-lo. E os olhos simulam o abraço e o contato, justo e politicamente correto, ecologicamente correto, policarbonicamente correto. Reciclável.

Homens cegos saem às ruas e às estradas. Bebem e comem e amam como se não houvesse tempo. Homens cegos brindam o negócio feito, riem das piadas velhas e não têm nome. Homens-coisa, de ternos de aço, de relógio apertado, suam e não sabem. Gozam e não sabem Sentem frio e não sabem. Homens cegos saem às ruas e às estradas. Os olhos não perdem nenhum movimento...

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 15/12/2011
Reeditado em 15/12/2011
Código do texto: T3390896
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