Último trote
"...fugir é arriscado;
à base de capim e milho é alimentado;
ao chicote do patrão está sempre obediente;
resta só um pouco do que era antigamente".
Cavalo sem dono selvagem - GOG
Do alto eu pude ver.
O pobre sofreu muito antes de morrer.
Levou chicotadas, chutes e ferroadas. Humilhado, para todo mundo ver.
Trabalhou sem água, puxando a carroça pesada, no asfalto da cidade que nunca pára.
Escoriações, carrapatos e a sola do casco em sangue vivo.
As costelas aparentes...notei que estava desnutrido.
A boca ferida pelo bridão, os olhos tristes...direcionados pelo tampão.
Mas, uma chicotada mais forte fez com que se abrisse uma porta.
Até o fraco quando covardemente agredido se revolta.
Arrebentou o arreio, saiu do varão.
Deu um coice no carroceiro e ganhou o chão.
Saiu louco, em disparada.
Não respeitou a avenida movimentada.
Pulou um carro, atravessou o canteiro, derrubou o motoboy.
Levou um tiro, depois outro, em lugares onde dói.
Caiu à frente, depois de um bom galope.
Agora está livre, chega de chicote.
Deitado no asfalto quente, descansou do último trote.
Eu vi o que ninguém viu.
Do olho esquerdo de um cavalo velho,
Uma lágrima solitária caiu.