Besta Selvagem.

E lá estava ela: selvagem, montada em seu cavalo sem rédeas, confiante, cabelos atravessados pelo vento. Que peça magnífica que ali fora talhada! Ereta ali naquele animal, estupenda, dona de si e dona de mim.

Quase ouviu-me a dizer essa tolice. Pensando bem ouviu, mas não teve certeza, pois virou-se de longe e botou seu alazão para correr em direção minha. Fiquei atônito, com medo até.

E veio à galope, num cavalo brabo, do mato, sem rédea, sem freio. Era ela toda sem rédea, sem freio: não havia homem civilizado capaz de dominá-la. E eu ali tremia enquanto ela se aproximava veloz sobre aquela besta arisca. As patas no animal arrancavam o gramado espesso, temperado de natureza morta que dava vida à natureza toda. Vida para aquele animal, para aquela besta voraz; vida para aquela deusa selvagem, que despencara do céu criança e que crescera no mato, com perseverança.

O casco duro do animal castigava o solo e enchia o ar dum som de galope duro e rápido. A imagem da selvagem se agigantava diante dos meus olhos até que os abri e a vi, enorme, cada vez mais perto, mais forte, mais sensual, dominando a besta e seus próprios cabelos pretos que esvoaçavam mais que os do animal quadrúpede.

Eu tremia ali estacado, enfiado na terra como uma raiz, como um tatu que se enfiava para dentro da mãe úmida na precisança de abrigo. O barulho sangrava o meu ouvido e o animal relinchava forte: Ôh!

Freou o animal no grito e, com as mãos soltas de liberdade, sacudiu o cabelo. Olhou-me de seus olhos escuros, ali de cima daquele altar da natureza, daquela fúria domada e soltou-me poesia em voz doce e atual:

Meu bem, meu querido,

Porque não montas também?

Há muito que tens prometido!

Meu branco, meu fardo,

Porque não és feito como outros?

Porque não me derramas teu garbo?

Precipitei-me, coração acelerado. Fiz força para dizer-lhe e ela continuou ali, no mesmo lugar. Fiquei cansado, de olhos abertos e tristes por outra vez ter apenas a sonhado. Selvagem.

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 25/02/2012
Código do texto: T3520261
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