É noite...

Há um rasgo em meu ventre amputando o umbigo. Um corte a cauterizar o fim de um verso no meio das nuvens. Da saliva dos céus, alimenta-se, minha oca poesia.

Foi-se o fio enroscado entre os dedos. Desprendeu-se da alma, perdeu-se no espelho.

Finda o dia, finda o crepúsculo. Nasce a noite, grita, esperneia, abre sua boca. Faminta do outro lado da cerca, me espreita. Sabe, a noite, do meu cansaço, das minhas dores, do cordão atorado ao meio.

No arrastar sobre o mármore das letras recolho minhas vestes, minhas folhas, minhas telhas. Fecho janelas, fecho portas, fecho peles, fecho flores. É noite, ainda que o sol a pino paire nos ponteiros do tempo.

É noite, sempre noite. Sem estrelas ou lua, geme minha essência, geme à beira do abismo, geme... Só mais um deslize entre as linhas férreas, é noite. Minha carne às pedras se prende. Só mais um ato cirúrgico, o sangue urge, a taça uiva...

Contorce-se meu ventre em visceras. Ao avesso, aberto, descoberto, desprovido, pelas frestas recebe o breu. Descortina da noite, seu véu. Sem versos, sem verbos, sem sentenças, sem orações, sem palavras, às favas... Segue a vida, e eu, enfim, no limbo da noite, fico.

Almma
Enviado por Almma em 07/04/2012
Reeditado em 07/04/2012
Código do texto: T3600132
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