Não se cansam nunca de rir de mim?
Queria passar despercebida, me camuflar nas paredes.
Não se cansam nunca de rir de mim? eu pensava
Chinelos encardidos e gastos, cabelos ressecados e pernas rajadas.
Cadernos encapados com saco plástico, mochila feita de retalhos.
Meus pais não tinham como comprar novos chinelos,
Então esse, arrebentado, ainda era usado com grampo preso em baixo.
O caderno tinha que durar o ano todo.
Será que não podiam entender?
Mas não, não entendiam. Apenas riam...
E eu até sonhava com aquelas caras retorcidas pelo escárnio e desprezo.
O som de sua zombaria impregnava na minha mente, ecoando por muito tempo.
Sentia-me tão miserável, insignificante e sem valor.
Não era por falta de querer. Ah como eu queria...
Queria tanto uma sandália rosa com diademinha combinando
Cabelos bonitos e sedosos, pele hidratada e sem o castigo do sol
Cadernos de cores lindas e estampados com meus desenhos favoritos
Ah como eu queria, até sonhava com uma mochila de rodinhas
Mas eu não tinha e riam de mim, como se eu não valesse nada por isso.
Ah se soubessem o quanto isso machuca; se imaginassem o quanto eu desejava, naqueles momentos, nem ter nascido.
Eu não tinha culpa! Entre uma mochila da moda e a comida em casa, eu preferia comer!
Mas não entendiam e riram por anos e anos, até que cresceram e encontraram outras diversões.