Silêncios e Palavras

Pelas letras do 'Livro dos Silêncios' de Júlio Almada

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“Há silêncios bem-vindos,

outros indecifráveis,

alguns polidos e esperados,

Há os indesejáveis.

Há silêncios de hora inteira,

outros de uma vida a devorá-la.

Há os de esperar-lhe. Há os de desprezar-lhe.

E se tanto silêncio há...Há o de silenciar-me...

Para escutar o que seu silêncio diz,

além das palavras silenciadas.”

(Julio Almada)

Tivesse passeado pelas tuas costas, sentido tua umidade. Tivesse derrubado tuas folhas como um outono tardio. Tivesse eu.

Eu que te fascino e te apresento direções de volta sem ter ido. Que descambo, faço escambo e acendo incensos.

Eu que desabo tempestade em fúria e tormentas sobre teus ombros leves. Que afugento os temporais e os furacões sobre os teus ombros leves. Eu, contraditória. Imperfeita.

Tivesse eu subido nos teus pés e te trocado as asas. Dado rumo aos teus passos aos meus caminhos. Tivesse eu.

Eu que tatuo tua testa com meu nome. Que invento flores de plástico num jardim de madressilvas. Eu, dama-da-noite. Perfumada e enjoativa.

Tivesse eu mergulhado no teu corpo oceano e me afogado. Tivesse nadado nas tuas águas de lágrimas e as espalhado pela areia até secarem. Tivesse eu.

Eu que vivo de algas e sargaços. Que cheiro a maresia em final de tarde. Eu, pescadora. Rede e ilusões.

Tivesse eu mudado as linhas da tua mão. Tivesse redesenhado o destino, rasgado as cartas, escondido os búzios. Tivesse eu.

Eu que caminho pelas estrelas e te dei galáxias de presente. Que te mostrei a cor da cauda do cometa e te trouxe uma estrela cadente. Eu, Universo. Imenso e distante.

Tivesse eu afugentado os demônios que te espreitam. Tivesse te despertado do pesadelo e te mostrado um novo sonho. Tivesse eu.

Eu que caminho silenciosa pela balbúrdia da tua alma. Que ando com a espada desembainhada e pronta pra tua luta. Eu, guerreira.

Tivesse eu posto a prova toda a minha resistência.Tivesse enfrentado a insônia. Tivesse fingido que me espantava.Tivesse dito que o que você calou era o que eu tanto precisava. Tivesse eu.

Eu com a minha voz calada. Eu que não deixo um último recado. Eu que assumo a dor que lhe causei e a tomo para mim. Eu que não disse a palavra. Eu, só. Silêncio.