REMOTASLEMBRANÇAS DE UM CIDADE

REMOTAS LEMBRANÇAS DE UMA CIDADE

Carlos Edyl Santiago Filho

Parece que foi ontem. Eu descia correndo a ladeira de paralelepípedos atrás de uma bola que quicava cada vez mais alto. Minhas pequenas mãos de menino procurando evitar que ela chegasse ao asfalto...

Hoje eu me lembro mais da bola, mas como se fosse menino, corro atrás do tempo tateando as esquinas que absorveram minha infância. Ainda reconheço as fisionomias das personagens que habitavam meu pequeno mundo, mas não consigo reconhecer meu próprio semblante, sulcado pelo passar dos anos. O tempo, como automóveis no asfalto, passa com muita velocidade. O medo que eu tinha da bola chegar ao asfalto, hoje sei que era puro pavor de ser incorporado à estrada. E dela não mais poder sair. Não poder mais voltar.

E atrás daquela bola íamos todos nós, cúmplices de uma época que não volta mais. Meus primos e minhas irmãs cuidando da vida, e a vida cuidando em nos distanciar do que fomos. Hoje a gente raramente se vê. Quanto mais compartilhamos momentos similares àqueles quando Dona Anita nos chamava para tomar café e, junto ao vovô Lilito, eram muito mais que saudade três por quatro num álbum de fotografias.

Nossos risos ainda soam quase como incômodo na superfície lisa da saudade, e ecoam como sinos da torre anunciando as horas. Sou invadido pelos cheiros que compunham a atmosfera em que fui gerado. Mas não tem mais passeios em cima da carroça por trilhas mantiqueiras. Estou plantado aqui, mas não acho tempo pra vir colher os frutos. Como naquela musica, as trancas ficando pra trás, hoje depois de algum tempo, eu sei que ficou muito mais...

Nada permanece trancado nem se esconde por todo o sempre o passado.

Um dia vou descer da serra com a mala cheia de novas saudades. E vou subir as ladeiras atrás dos amigos e da infância que nunca abandonei. Vou pedir bença pras minhas tias e, não tendo idade mais pra brincar, vou tomar conta das crianças que hoje fazem o que eu passei a vida tentando.

E cheguei a me ver correndo, de pés descalços, pra subir numa árvore atrás de frutos doces. Mas não era eu. É alguém que daqui a vinte anos irá se entorpecer de saudades lembrando como era doce, o fruto e a infância, nessa mágica cidade encravada numa cordilheira azul......

Carlos Edyl
Enviado por Carlos Edyl em 12/02/2007
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