Terna Idade

Sempre que o tempo fresco chega, me dá a louca de querer tornar-me um chão de pedras brancas... um longo chão martelado com rochas retangulares e lisas e translúcidas... pedras desunidas umas das outras por uma tênue rota de cimento.

Sim, eu teria manchas de café amargo, seria trilhada por finas rugas que denunciariam não a minha idade, mas sim o desastre de uma xícara quebrada.

Então o vento frio se espreguiçaria pelas minhas costelas sem me arrepiar. De repente, um redemoinho gélido dispararia a minha respiração, mas, concentrando-me num cotovelo de sol espichado pela minha cintura, o terremoto estaria sob controle.

O tempo fresco chega e junto dele correm pés descalços. De manhã, estalariam pezinhos macios sobre meu ventre duro; de noite, pés calosos deslizariam nos meus olhos sonolentos – alguém fugiu da cama para consolar a fome ou tomar um remédio esquecido durante o dia. Na quietude da madrugada eu repassaria mentalmente os segredos que coletei na vigília. Cada sombra erguida na minha brancura guardaria uma confissão, um suspiro, um bilhete que vi passar de mão em mão.

Se eu fosse um longo chão de pedras brancas, jamais seria apenas um chão, seria o berço daqueles que escorregam no tapete e caem sem jeito. Seria a ponte daqueles que lamentam, sufocados, a areia movediça do mundo.

Não, eu não seria só um chão! Seria o caminho com pegadas para quem está perdido, ou esconderia as pegadas para os que precisam da solidão. Vem, eu sou o chão que aceita teus joelhos desabados em prece, o céu que se alarga perante teus olhos cabisbaixos, estou crucificada por mesas e cadeiras, céu que atrai lágrimas e contas de rosário e café escuro e melodias de dança e caminhos. Eu quero ser o abraço do mundo quando o tempo fresco chegar, quero dormir petrificada sobre a terra e sob a vida intensa, quero morrer vivendo para sempre, eu desejo a eternidade de um longo chão de pedras brancas nos dias frescos.

Vanessa Bencz
Enviado por Vanessa Bencz em 28/02/2007
Reeditado em 28/02/2007
Código do texto: T396594