À margem do meu Rio

Trafegando à margem do meu Rio

Lá vai o comboio levando a gentalha

É o trem do subúrbio que me leva

Isso é o Rio! Só o Rio! Sorrio!

Vou em pé, sou pingente

E a composição me leva, aos solavancos

Por que me sinto tão distante dessa gente?

Sacudindo, estou enjoado, sacode

Levei um esbarrão, quase caí, me acode

Meu Rio! Que cena pitoresca!

Ei-los! Os surfistas ferroviários!

Notáveis equilibristas! Quê pavor!

Anônimos peraltas arriscando a vida

Por alguns segundos tento decifrar

Os símbolos daquelas pichações

Por todo o vagão até o teto...

Passa por mim um sovaco fedorento

Oh! Trem da Central, não te aguento

Estou quase chegando, enfrento tudo

Até os brutamontes mal encarados

Achando-me estranho ali no meio

Ao que não ouso erguer meus olhos

De um vagão a outro transitam camelôs

Vendem de tudo, de biscoito a bibelôs

Imagino um figurão viajando neste trem

Quê mafuá! É malcheiroso!

Desconjuro! Diria ele com desdém...

Numa das estações o trem para

Entra um bando de caras, embrutecidos

É o retrato do desemprego e da miséria

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

Mas não me notam... menos mal...

Lá vão eles, comigo a bordo

À margem do meu Rio

Parecem vândalos, minha tensão aumenta

Medo de assalto... é natural!

Entre aquelas pessoas

Habituadas ao trepidante veículo

Sinto-me um estúpido...

Meus olhos percorrem, assustados

Todos os cantos, dali onde me encontro

Há barrigudinhos de olhinhos tristes

Vejo olhares perdidos de mulheres carcomidas

Pelo fatídico destino que se impõe

Vejo a angústia desenhada em cada rosto

Homens rudes, de máscara sombria, desesperançados

Afeitos a vida dura, a triste sina, marginalizados...

Em cada rosto um sofrimento... à margem do meu Rio

Ninguém parece me notar... ainda bem!

O ar está viciado... Quê azedume!

Parece que o tempo ali parou, estou suando, quê calor

Fumaça de cigarro barato invade-me as narinas

Outro escarra e cospe, outro se coça, outro cochila

São muitos odores.. fétidos

Chulé, suores, perfume de quinta, etc.

Desço na Central do Brasil

Tropeço em mendigos, prostitutas mil

Submundo dos párias

Viu? Quê mundo vil!

Mendigam mãos estendidas

Por justiça, pelo pão e pelo amparo social

Clamam, suplicam... à margem da vida

À margem do meu Rio!

("Prosa Poética" pág. 28 – 09 de março de 1985)

Edir Araujo é autor de 3 livros: A Passagem dos Cometas e

Gritos e Gemidos e A Boneca de Pano. Escrevendo Fulana, inédito)

Edir Araujo
Enviado por Edir Araujo em 30/11/2012
Reeditado em 08/09/2019
Código do texto: T4012061
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