SENTIR
Naquele mesmo dia, ao abrir os olhos,
Sentiu mesmo algo diferente.
Como se o inusitado povoasse a cena
E pensou em fugir,
Era assim que sempre agia.
Mas o nada lhe sobreveio, e sentiu o perfume sagaz do agora.
Deixou-se corroer, perdeu-se na demora.
Um amago profundo, o gosto de nada saber...
E a palavra chave era o eternizar.
Passou o dia vigiando as horas.
A noite densa, negra e pesada sob os pés,
As mãos trêmulas e opacas contra o ser,
Rasuravam no papel velhos sinais.
Recolhido em si mesmo, esperava.
E como se renascesse do dia,
Instaurou-se a euforia.
De tão viscosa, arranhou-lhe a garganta, o doce da aurora.
Insensata e serena lhe chegou à felicidade,
E a face se encheu de um sorriso tão grande,
Que os pés, inseguros, mal podiam tocar o chão.
Era grande, doce e pura a tal felicidade.
E como quem pactua um segredo,
Resguardou para si a beleza do mistério.
Guardou o grito e selou a mania.
Sentiu, apenas sentiu a alegria.