Intitulado "Coração"

Ela sabia.

Mas não se importava.

Aprendera desde cedo que a vida era bem mais que o simplismo do termo e, ser feliz, parecia muito pouco diante desse tudo.

Acostumou-se à plenitude, portanto.

Em tudo, um tudo, e depois o nada.

Seguida do vazio, sempre vinha à felicidade, com aquele sorriso colorido no rosto. Sempre foi assim...

E limitou-se aos fatos.

Cercada pela certeza, forçou-se a construir em bases fortes as suas verdades. Ergueu uma fortaleza, protegendo-se dos desejos desejosos de seu coração. E cantava, sempre cantava, para espantar o tédio, a nostalgia, o marasmo e a solidão. Sempre fora recatada, porém desejosa, e por eufemismo evocava “imensidão”.

Era o que era, porque sempre fora e, para desmistificar, outra canção. Mas dessa vez uma animada, já que vibrava em seu peito um vivido instrumento de percussão, para dançar, porque a dança é movimento, alegria, expansão.

De tão grande, o mundo lhe escapou por entre os dedos e, desfeito o feito, ocorreu o fato e o efeito.

Engolida por Cronos, ela agora, repousa em seu mausoléu.

E lhe corrompe a culpa, mas ela já o sabia, não por querer, porque queria, era desejosa e esse desejo a corrompia.

Recatada, nunca fora permissiva, muito menos quando o assunto era o amor. Não se dava aos sentimentos, deusa grega que era, tornou-se senhora e desejante de seu próprio destino.

Mas oscilava, e se perdia vez por outra de seu próprio caminho, e ferida, se deixava corroer pela culpa, sua agonia. Como um pássaro jovem, que no primeiro voo abraça uma pedra alada, e perde a inspiração.

Menina mimada que era, estava sempre de coração machucado, e era para isso que lhe serviam os muros, sua fortaleza, a tal imensidão.

E ser, deixara de ter o significado de completude, para tornar-se precisão, necessidade, condição.

Foi assim que significando as coisas, deixou-se significar-se em si mesma, que era, de longe, o tudo que almejava, convergindo em nada, sua aflição.